Em “homenagem” à Semana Nacional de Conciliação proposta pelo Conselho Nacional de Justiça, reflito: A mediação do conflito familiar evita os traumas; a conciliação do litígio familiar ameniza os traumas e, por fim, a sentença do juiz agrava definitivamente os traumas familiares. Portanto, se queres ver uma família feliz, evites a sentença do Juiz.
Definitivamente não me sinto bem em uma audiência de alimentos. É muito constrangedor ficar repetindo ao pai da necessidade de contribuir com os alimentos e com a formação de seu filho, que a mãe não pode cuidar de tudo sozinha, que se ele não pagar os alimentos pode ser preso etc, etc. Quando se trata de pessoas sem muitas posses, desempregados, biscateiros etc, sinto como se estivesse mediando a disputa entre a pobreza e a miséria. Em alguns casos, o acordo de alimentos gira em torno de 10, 20, 22, 25 reais ou algo parecido por semana. Nestes casos, o pai está sempre desempregado e não tem condições de contribuir com nada naquele momento. Para lhe pressionar, pergunto à mãe se a criança come todos os dias, se usa roupas e calçados, se usa produtos higiênicos, se às vezes precisa de remédio etc.
Da mesma forma, também não me sinto bem em audiências de divórcio e separação. Normalmente, as partes aproveitam para lavar alguma roupa suja e a cena é deprimente. Mais constrangimento acontece no momento da partilha amigável dos bens: você fica com a geladeira e eu fico com o fogão, você fica com o DVD e eu com a TV…
Audiências de Instrução e Julgamento em ações de investigação de paternidade é outro momento de horror! Depois do barateamento do exame de DNA, a situação melhorou um pouco, mas quando tinha que ouvir testemunhas e as partes sobre sua intimidade sexual, o constrangimento era terrível.
Enfim, estou chegando à conclusão que problemas de família não deveriam ser apreciados por um juiz de direito. Na verdade, deveriam ser mediados por quem tem conhecimento de psicologia e não por juristas.
Já tentei algumas alternativas para amenizar o constrangimento. Por exemplo, às vezes deixo o casal conversando por algum tempo na sala de audiências para depois retornar com a proposta de conciliação. Outras vezes explico às partes que qualquer solução apontada pela justiça não será boa para o casal, pois um dos lados vai ganhar e o outro perder. Faço o seguinte discurso: olha, se vocês vão esperar que o juiz decida o caso, o jogo vai ser sempre favorável a um dos lados; se vocês fizerem um acordo como quem se livra de um problema, os dois saem perdendo, mas se vocês aceitarem minha mediação para resolver o problema, os dois vão sair ganhando.
O papel do mediador, portanto, em ações de família, a meu ver, é mais importante do que o papel do juiz. O mediador sabe conduzir para uma solução sem traumas e sem constrangimentos, mas o juiz só faz agravar um conflito que nem deveria ter se tornado em litígio.
Como prova disso, lembro que recentemente concluí uma ação de investigação de paternidade através de um exame de DNA em que o papel do juiz foi irrelevante. A autora da ação tinha cerca de 12 anos de idade e era surda e muda em decorrência de meningite quando ainda era criança. O réu nunca teve aproximação com a autora e também não sabia se comunicar com ela.
Eu, depois que Bruno passou a trabalhar comigo no fórum, aprendi um pouco de Libras e expliquei para a autora o que estava acontecendo. Em Libras, disse à autora que o resultado tinha dado positivo, que o réu era seu pai, que ele queria ser seu amigo e queria que ela ficasse em sua companhia nos finais de semana.
A autora sorria sem parar. Não sei se sorria do meu péssimo “sotaque” em Libras, se nervosa com a situação ou surpresa com o que estava acontecendo, ou seja, estava sabendo através de um juiz lhe falando em Libras que agora tinha um pai e que este pai queria sua companhia em finais de semana.
É claro que ela não concordou com o pedido de permanecer com o pai no final de semana, pois ele ainda era um estranho. O rapaz ficou visivelmente chateado com a recusa da autora e tentou, de forma ridícula para quem se comunica em Libras, conversar a com a filha. Terminei interferindo e fazendo a tradução: “você agora é minha filha, quero conquistar você e queria que você ficasse comigo no final de semana…”
A autora não cedeu e então me senti na obrigação de advertir ao pai da menina que ela tinha razão em lhe rejeitar, pois o amor não tem preço e não pode ser conquistado à força. Fiz-lhe um desafio no final da audiência: dê uma prova de amor para sua filha aprendendo Libras para saber se comunicar com ela.
Há poucos dias encontrei com a mãe da autora que tinha ido ao fórum para tratar de outro assunto e lhe perguntei sobre o caso. Ela estava muito feliz e me disse que o pai de sua filha estava aprendendo Libras e tentando recuperar o tempo perdido.
Soube, inclusive, que o pai teria dito a outro amigo que sua filha era “linda”.
É claro que eu também fiquei muito feliz com o desfecho do caso, mas sei que foi muito mais importante o papel do mediador do que o papel do Juiz. Aliás, o juiz foi absolutamente dispensável, pois quem solucionou o conflito, que nem deveria ter se transformado em litígio, foi o DNA, a Língua Brasileira de Sinas e a mediação!
Fiquei pensando depois desse último encontro: e se eu tivesse determinado na audiência que o pai seria obrigado a visitar sua filha ou se tivesse lhe condenado em pagamento de indenização pelo abandono de 12 anos? Teria contribuído ou terminado de destruir uma relação que estava começando? Sei que muitos juízes fazem isso com a melhor das intenções, mas o problema é que de boas intenções o inferno está cheio!
Definitivamente, portanto, estou convencido de que em matéria de Direito de Família a mediação dos conflitos é mais importante do que a sentença do juiz, pois a mediação possibilita a reparação e a reconstrução, enquanto a sentença cria novos conflitos e aumenta a litigiosidade. Como disse no início, na mediação todos ganham, na conciliação forçada todos perdem e na sentença só um ganha.
(*) http://gerivaldoneiva.blogspot.com/
Gerivaldo Neiva – Juiz de Direito da Comarca de Conceição do Coité