Ilegalidade da prova na Satiagraha e em Retirolândia.
Autos: 000194….. 0209
Preso em flagrante: A.S.S.P.
Prisão em flagrante. Droga não encontrada em poder do preso durante a abordagem. “Buscas” posteriores sem obediência ao contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Ilegalidade da prova que fundamentou o flagrante. São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos e a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária. (Artigo 5º, LVI e LXV, da Constituição Federal). Réu primário e endereço certo. Prova dos fatos também insubsistentes. Prisão em flagrante relaxada.
“Coitado do país em que seus filhos vierem a ser condenados com provas colhidas na ilegalidade”. Ministro Jorge Mussi (STJ), sobre a Operação Satiagraha.
Segundo reportagem do Portal G1, durante a sessão de julgamento que anulou as provas produzidas na Operação Satiagraha, (Leia-se Daniel Dantas e Banco Opportunity), deflagrada pela Polícia Federal, em julho de 2008, o Ministro Jorge Mussi, presidente da 5ª Turma do STJ, teria dito:
“Não é possível que, esse arremedo de prova, colhido de forma impalpável, possa levar a uma condenação. Essa volúpia desenfreada pela produção de provas acaba por ferir de morte a Constituição. É preciso que se dê um basta, colocando freios nisso antes que seja tarde. Coitado do país em que seus filhos vierem a ser condenados com provas colhidas na ilegalidade”. (http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/06/stj-anula-operacao-da-pf-e-livra-dantas-de-condenacao.html).
Segundo ainda a mesma reportagem, a operação foi base para o processo que condenou o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, a dez anos de prisão, por corrupção. Para os ministros, a ilegalidade das provas invalida a ação penal contra Dantas. O pedido para anulação da operação foi feito pela defesa do banqueiro, alegando que a participação de agentes da Abin foi ilegal e teria comprometido a legitimidade das provas produzidas na operação.
O problema crucial, portanto, não está na inexistência dos fatos ou na falta de provas desses fatos, mas exatamente na forma como foram produzidas as provas sobre os tais fatos, ou seja, mesmo para se provar um crime, a produção da prova deve obedecer a critérios legais e constitucionais.
Pois bem, talvez no mesmo momento em que os Ministros do STJ apreciavam este caso, recebi uma comunicação de prisão em flagrante, por motivo de tráfico de drogas, da vizinha Comarca de Retirolândia, da qual respondo na qualidade de Juiz substituto.
Consta do referido flagrante que o preso teria sido conduzido à Delegacia de Polícia por policiais militares e os depoimentos dos condutores são absolutamente iguais: que estavam realizando diligência em estrada vicinal na zona rural do município; que faziam a abordagem em um veículo quando o preso passou de motocicleta pelo mesmo local, sendo também abordado e nada encontrado em seu poder; que ao realizar várias buscas no local, encontraram duas pedras de crack e uma bala de cocaína que o preso teria dispensado quando avistou a viatura.
Assim, os mesmos policiais que abordaram o preso e nada encontraram em seu poder, fizeram em seguida “várias buscas” no local (uma estrada vicinal na zona rural do município) e encontraram duas pedras de crack e uma bala de cocaína; deduziram que a droga pertencia ao preso e que teria sido dispensada por ele quando avistou a viatura; efetuaram a prisão em flagrante por tráfico de drogas e conduziram o preso à Delegacia de Polícia, sendo aí lavrado o flagrante em apreço.
Da mesma forma como o STJ apreciou a Operação Satiagraha, limitando-se a análise ao aspecto formal da prova, não há como manter a prisão em flagrante de pessoa acusada do crime de tráfico de drogas apenas com base na prova produzida pelos próprios condutores, policiais militares, sem o crivo das garantias processuais e constitucionais. Aqui em Retirolândia, tal
como lá no STJ, a ilegalidade da prova contamina todos os demais atos subsequentes e torna insubsistente o flagrante.
Ora, é verdade que a Constituição deve ser respeitada na apuração de crimes de corrupção envolvendo milhões de reais ou de dólares em que figura como acusado poderoso banqueiro, mas o mesmo também deve acontecer na apuração de crimes em que figuram como acusados os delinquentes comuns ou “aviões” entregadores de pedras de crack ou papelotes de cocaína.
Além dos aspectos formais relacionados à produção da prova que ensejou o flagrante, consta dos autos que as pessoas do primeiro veículo teriam telefonado antes para o preso e combinado aquele local como sendo o ponto de entregada da droga encomendada, mas que teriam sido abordadas pela polícia antes do encontro com o preso. De sua vez, o preso negou que estivesse com droga, que fosse traficante e que conhecesse as pessoas abordadas pela polícia. Certo, portanto, que também para a versão dos fatos constante do flagrante, a prova não é suficiente para manutenção da prisão. No mais, o preso é tecnicamente primário, nunca foi condenado e tem endereço certo na cidade de Retirolândia – Ba., conforme informações nos autos.
Do exposto, ante a fragilidade e possível ilegalidade da prova, contaminando os atos daí decorrentes e ferindo os princípios constitucionais da presunção da inocência, contraditório, ampla defesa e devido processo legal, com fundamento nos incisos LVI (são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos) e LXV (a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária) da Constituição Federal, RELAXO a prisão em flagrante em apreço e determino a imediata soltura do preso.
Expeça-se o Alvará de Soltura.
De Conceição do Coité para Retirolândia, 07 de junho de 2011
Bel. Gerivaldo Alves Neiva
Juiz de Direito