Desde o dia 04 de julho está em vigor a reforma do Código de Processo Penal Brasileiro, que contempla, dentre outros aspectos, as medidas cautelares a serem aplicadas pelo juízo criminal.
Agora, o magistrado pode dispor de um leque mais amplo de cuidados em relação a quem está sendo processado criminalmente.
Da leitura do texto contido na Lei Federal 12.403/2011, somando-se ao que já existe nas demais normas penais e processuais penais no Brasil, percebe-se que a nossa regra é a “não-prisão”.
Os nossos legisladores, estimulados pelos operadores do Direito, pelo poder público e pela própria sociedade, entendem que a prisão não é coisa pra gente normal. Afinal de contas, os presídios e as delegacias são verdadeiras fábricas de marginais, “faculdades do crime”: estão em condições deploráveis.
De fato, quem visitar a Penitenciária Lemos de Brito, ou qualquer delegacia de polícia no Brasil, sairá com dó das pessoas encarceradas.
Como por aqui os problemas não são resolvidos de forma direta, se os cárceres estão abarrotados, a solução não é construir mais e melhores cadeias; simplesmente se diminui o número dos presos.
Assim, a cada dia, fica mais difícil um criminoso cumprir pena ou ser preso provisoriamente.
Os policiais se desestimulam, porque sabem que detendo um marginal, em pouco tempo ele estará livre, por força da lei que não deseja prender ninguém, já que não se tem onde colocá-los com dignidade.
A solução, em nossas terras, sempre será a mais fácil possível.
Se o Poder Público não pode oferecer uma educação de qualidade no ensino fundamental e médio, cria-se o sistema de cotas.
Se o Estado não pode criar universidades públicas, cria-se o FIES, o PROUNI e todos ficam felizes: o aluno pensa que está recebendo uma ajuda do governo e os donos de faculdades particulares enriquecem às custas dos nossos impostos.
Se o governo não pode nos dar estradas de qualidade, privatizam-se as rodovias e pagamos novamente por aquilo com o que já estaríamos quites, porque os IPVA’s, as multas de trânsito, e demais impostos servem para tal fim.
Mas está tudo certo. Essa é a nossa cultura, essa é a nossa história.
Conseguimos, enfim, resolver o problema da desigualdade social na aplicação da lei.
Antes, só os pobres iam pra cadeia. Agora, ninguém mais vai e resolveu-se a questão.
Quem trabalha com o Direito Penal sabe que raramente um processo termina com a prisão do condenado. Quando alguma pena deveria ser aplicada ao acusado, ou o processo já está prescrito ou a pena é geralmente uma restrição de direito.
Mas tudo bem. Somos fruto de uma sociedade permissiva, concessiva, leniente, em que ao erro não corresponde uma punição. Isso ocorre desde os primórdios.
Nosso primeiro “ministro da Justiça” foi o Senhor Pero Borges.
Ele desembarcou na Bahia em 29 de março de 1549, na comitiva do primeiro governador-geral da colônia, Tomé de Sousa. Ocupava um cargo de relevo: meses antes, fora nomeado ouvidor-geral do Brasil. O posto – que equivaleria hoje ao de ministro da Justiça – proporcionava-lhe alto salário: Pero Borges ganhava 200 mil réis por ano (quantia que ele, valendo-se de uma “largueza do rei”, conseguiu receber antes mesmo de embarcar).
O adiantamento de salário esteve longe de ser o único favor que Dom João III prestou ao dileto súdito. Corregedor em Elvas, Portugal, o doutor Borges foi por ele incumbido, em 1543, de supervisionar a construção de um aqueduto. Adquiriu o estranho hábito de receber dinheiro em casa, “sem a presença do escrivão nem do depositário”. Quando as obras foram paralisadas antes de concluído o aqueduto, “algum clamor de desconfiança se levantou no povo”.
Os oficiais da Câmara de Elvas escreveram então ao rei, solicitando que o caso fosse investigado. Uma comissão averiguou detidamente as contas e apurou que o doutor Pero Borges tinha desviado 114.064 réis, mais de 10% do total da verba – uma fortuna naqueles tempos.
No dia 17 de maio de 1547, condenado “a pagar à custa de sua fazenda o dinheiro extraviado”, ele também foi suspenso por três anos do exercício de cargos públicos. A 17 de dezembro de 1548, no entanto, passados somente um ano e sete meses da sentença, o mesmo Pero Borges foi nomeado, pelo mesmo rei, para o cargo de ouvidor-geral do Brasil. No dia 1º de fevereiro de 1549, zarpou com Tomé de Sousa rumo à colônia.
No Brasil, Pero Borges se deu bem. Não apenas ficou no posto pelos três anos de duração do primeiro governo-geral como também acumulou o cargo de provedor-mor da Fazenda (o equivalente a Ministro da Fazenda) no governo seguinte, de Duarte da Costa, a partir de 1553.
Pelo visto, vale a pena infringir a lei em nosso país; salvo se você for inimigo de quem estiver no poder. Aí, é melhor colocar as suas barbas de molho e vigiar, para não errar. Mas isso são outras histórias que contaremos depois.
Por Carlos Cléber Couto
Advogado
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