Um crime cercado de mistérios, denúncias de corrupção e especulações chocou Feira de Santana, a 108 quilômetros de Salvador. Três funcionários da 3ª Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran), vinculada ao Detran, foram encontrados mortos na manhã de ontem. Os corpos do coordenador de habilitação, o sargento da Polícia Militar Amarildo Araújo de Novais, 47, (foto) e dos examinadores Luís Eugênio Teixeira dos Santos, 57, e Maria das Graças Costa Veiga, 58, estavam dentro de um carro no estacionamento do Corpo de Bombeiros, no bairro do Tomba.
Mesmo antes da conclusão da perícia, o titular da 1ª Coordenadoria Regional do Interior (Coorpin), delegado Ricardo Brito, está convicto de que o próprio sargento Novais executou os colegas e, depois, se suicidou. Novais teria chegado ao local de carro, junto com Maria das Graças. Os dois desceram e entraram no veículo de Luís Eugênio, por volta de 8h. “Minutos depois, o sargento sacou uma pistola .380, e disparou seis tiros contra os examinadores e um contra a própria cabeça”, afirmou. Ainda de acordo com o delegado, a arma pertencia ao próprio sargento.
Ainda na tarde de ontem os corpos das três vítimas da tragédia foram liberadas pelo IML de Feira de Santana. Todos serão sepultados hoje pela manhã. O corpo do sargento Amarildo Novais vai ser enterrado no Cemitério São Jorge, com horário não divulgado. Já o sepultamento do corpo de Maria das Graças está marcado para as 9h, no Cemitério Jardim Celestial. Somente o corpo de Luís Eugênio foi levado ontem mesmo para Santo Amaro, no Recôncavo, e será enterrado no cemitério da cidade.
O crime ocorreu durante investigação realizada por uma força-tarefa de fiscalização que vem atuando dentro da Ciretran para apurar denúncias de fraudes como a regularização de carros roubados, irregularidades na vistoria de veículos e denúncias sobre facilitação de provas de habilitação em testes de rua.
A investigação começou no início de dezembro e, até agora, seis servidores foram remanejados de suas funções e uma funcionária, exonerada. Nenhuma das vítimas estava na lista dos apontados como integrantes do esquema.
“Até então não havia nada que desabonasse a conduta dos três. Por isso essa situação nos chocou tanto”, disse o coordenador do órgão, Carlos Eduardo Guimarães.
Ele afirmou, no entanto, que havia chegado a identificar divergências de trabalho entre o sargento Novais e Maria das Graças. “Mas não se pode afirmar que essas divergências motivaram essa atitude extrema”, ponderou .
Hipótese
Responsável pela força-tarefa que investiga os funcionários, o interventor do órgão, Osvaldo Moura, acredita que a atitude do sargento Amarildo pode ser consequência de uma pressão exercida por suas vítimas para revelação de evidências que poderiam incriminá-lo.
Segundo ele, a investigação desvendou a existência de “inúmeras irregularidades na área de habilitação”, que era chefiada pelo militar. Moura insiste, porém, que até agora as investigações não atingiam diretamente o sargento. “Tudo leva a crer que os servidores que foram assassinados, com certeza, tinham alguma coisa que o comprometiam. Mas o que tinham, não sabemos”, considerou o gestor.
O que se sabia até o momento é que outros examinadores da Coordenadoria de Habilitação estariam facilitando a avaliação dos candidatos a motorista. Nesse processo, devido à transferência de dois examinadores suspeitos de envolvimento nas irregularidades, a própria Maria das Graças, que trabalhava no atendimento interno do órgão, foi remanejada para a banca examinadora.
“O Luís (que também era examinador) eu mantive porque era uma pessoa de minha confiança”, completou Osvaldo.
O interventor alertou ainda para o fato incomum de os três terem se encontrado no início da manhã em um local fora de seus roteiros cotidianos. “Foi atípico, fora do normal. Acho que o encontro foi provocado pelo Novais”, cogitou.
Osvaldo destacou ainda que Maria das Graças chegava até a repartição sempre no início do expediente, às 8h, e só saía para o local dos exames em um carro da Ciretran. Ontem, porém, quando o motorista chegou , ela já tinha saído.
O corregedor do Detran-BA, Agnaldo Garcês, evitou entrar em polêmica ou vincular a tragédia com os casos de corrupção. “Houve uma tragédia e temos que preservar as famílias. Quando a gente envolve sentimentos, é melhor esperar o fim das investigações para falar algo”, ponderou. Tanto ele quanto o coordenador do órgão asseguraram que as investigações vão continuar e não falaram em prazos para o fim da força-tarefa no órgão. “Só vamos sair quando não houver mais irregularidades”.
Famílias
No IML de Feira, familiares das vítimas buscavam explicações, já que Novais era tido como um homem honesto e gentil. A viúva do sargento sequer conseguia falar e teve de ser amparada por familiares. “Não temos ideia do que aconteceu”, garantiu um sobrinho.
Parentes das outras vítimas afirmaram que não sabiam de nenhum problema no trabalho. “Não sabemos de nada. Nunca ouvimos falar de brigas entre eles”, disse o irmão de Maria das Graças, Pedro Rodrigues Costa. “Eu vou falar o quê? Só sei que ele tava bem, tava feliz”, disse a esposa de Luiz Eugênio, que preferiu não ter o nome divulgado.
Perplexidade e defesa
Um homem ao mesmo tempo linha-dura e idôneo, rigoroso e honesto. Por outro lado, temperamental. O sargento Amarildo Araújo de Novais, 47 anos, estava na função de coordenador de habilitação, um cargo de confiança, havia quatro anos. “Ele era conhecido por nunca aceitar R$ 50 que fosse para agilizar qualquer documentação ou habilitação”, disse o delegado Ricardo Brito.
Novais era admirado pela firmeza das suas decisões. Tanto que muitos contam que certa vez ele mandou multar o próprio filho por dirigir sem habilitação. Com a imprensa, era gentil e disponível.
Por motivos ainda nebulosos, foi exonerado do cargo em julho desse ano e readmitido no mês seguinte.
“Houve um remanejamento de cargos e, por equívoco, ele foi exonerado. Foi uma questão de natureza política que depois acabou corrigida. Não foi nenhuma denúncia ou irregularidade envolvendo o nome de Novais”, explicou o coordenador da Ciretran de Feira, Carlos Eduardo Guimarães.
O suicídio do sargento deixou perplexa boa parte dos funcionários da Ciretran, amigos e familiares. Mas tem quem o considerava um homem temperamental. No IML, durante a liberação do corpo, alguns lembravam que o pai de Novais, então um senhor aposentado, se matou no ano passado com motivação também misteriosa.
Por outro lado, houve quem contestasse a versão da polícia. O policial militar Josaphat Ramos, da Associação dos Praças da Polícia Militar da Bahia, questionou o suicídio. “Um absurdo o delegado não respeitar a conclusão da perícia”, disse à rádio Subaé, de Feira.
As outras duas vítimas tinham muito mais tempo no órgão de trânsito. Tanto Luís Eugênio quanto Maria das Graças eram servidores efetivos com mais de 20 anos no órgão. Ambos atuavam como examinadores de provas no exame de prática veicular para primeira habilitação ou para mudança de categoria. Antes de ser transferida para o cargo de examinadora, no início de dezembro, Maria das Graças exercia função administrativa no órgão.
Apesar do crime ter acontecido durante a apuração de fraudes, nenhum dos três mortos era diretamente investigado. Nem mesmo um inquérito da polícia, que concomitante à força-tarefa do Detran também investigava as irregularidades, os enquadrava como suspeitos.
Fonte: Correio