Sábado passado saí para uma caminhada e encontrei um amigo dos tempos de faculdade e que resolveu permanecer na advocacia. Conversamos amenidades, futebol (eu Vitória e ele Bahia), trabalho, a nova conjuntura do Tribunal de Justiça da Bahia e temas jurídicos da atualidade.
Antes da despedida, ele me relatou que estava ainda com sono e que tinha ido dormir muito tarde na noite anterior, pois teria acontecido um aniversário no salão de festas do edifício em que residia e que houvera uns contratempos durante a festa. Seguinte: alguns moradores dos primeiros andares do prédio sentiram um cheiro estranho subindo as escadas e logo perceberam que se tratava de maconha. No final da investigação, descobriram que alguns adolescentes – uns do prédio e outros visitantes – estariam fumando um baseado na escada do primeiro para o segundo andar do prédio. A confusão foi tão grande que terminou envolvendo todos os moradores. O síndico, habilmente, contornou a situação com o final antecipado da festa e demovendo alguns moradores mais excitados que queriam a presença da polícia no local.
O que você acha disso, indagou-me o amigo. Nada, respondi. Ante seu olhar decepcionado, acrescentei: não vejo problema algum que adolescentes fumem um baseado de maconha. Isto não é crime e hoje é algo absolutamente natural para tantas gerações de adolescentes. Aliás, queiramos ou não, alguns deles, inclusive menores de 18 anos, proibidos de beber em bares, “tomam todas” nesses aniversários e nem por isso os donos da festa são presos pela policia, apesar do crime. Concluí: A adolescência é assim mesmo, meu caro. Uma adolescência saudável e repleta de experiências torna o homem mais tranquilo na maturidade. Ou não?
Chegando em casa, recebi o jornal do porteiro e folheei um pouco enquanto descansava da caminhada. Na página policial, a manchete: “Polícia acaba com festa de aniversário regada a drogas.” Levei um susto e pensei que se tratava da festa de aniversário que comentei com o amigo. Engano meu. Na verdade, a festa da página policial teria ocorrido em um bairro pobre de Salvador, que por ironia do destino tem o nome do mais famoso rábula do Brasil e defensor dos pobres: Cosme de Farias. [1]
Segundo o Jornal: “Três trouxinhas de cocaína, um prato com vestígios da droga, um revólver calibre 38, garrafas de cerveja vazias, preservativos usados no banheiro e muita sujeira. Esse foi o cenário encontrado pela polícia neste domingo, 11, em um imóvel na Travessa Laudelino, em Cosme de Farias. Militares da 58ª CIPM e da Rondesp foram apurar uma denúncia sobre a ocorrência de uma ‘festa do pó’.” E mais: “Após uma noite regada à cocaína, cerveja e sexo, os detidos na ‘festa do pó’ estavam programando outra comemoração para terminar o final de semana. Um churrasco na laje da casa de Emerson, quando os militares chegaram, por volta das 11 horas.”
“Disseram que iam tomar banho na piscina de plástico e fazer um churrasco na laje”, conta a delegada Mônica Piropo. Segundo a plantonista, nenhum dos conduzidos tinha antecedentes criminais”. Leia mais…
Não tem muito o que comentar: militares invadiram uma residência para apurar denúncia e prenderam as pessoas que se divertiam em uma festa de aniversário. Ora, cadê o crime: Cheirar cocaína? Fumar maconha? Fazer sexo? Ser traficante o aniversariante? Planejar um churrasco na laje? Tomar banho em piscina de plástico?
Mais um detalhe: nenhum dos conduzidos tinha antecedentes criminais!
Na breve biografia de Cosme de Farias encontrada na Wiki consta que o famoso rábula “tornou-se advogado provisionado (rábula), e passou a vida defendendo milhares de clientes que, sem condições financeiras, de outra forma não teriam condições de uma defesa”.
Por fim, neste Estado de Exceção em que vivemos, em que a “otoridade” policial se acha no direito de eleger criminosos e meliantes para serem presos, de nada valem as garantias constitucionais ou residir no bairro que leva o nome de Cosme de Farias. Enquanto isso, nas festas de aniversários em condomínios de bairros nobres ou nas mansões das asas de Brasília…
Juiz de Direito (Ba) e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD)
[1] Nasceu Cosme de Farias no subúrbio distante de São Tomé de Paripe, bairro que integra o subdistrito de Paripe. Sua formação foi apenas do curso primário. Tornou-se advogado provisionado (rábula), e passou a vida defendendo milhares de clientes que, sem condições financeiras, de outra forma não teriam condições de uma defesa.
Na advocacia, sua maior realização foi o habeas corpus em favor de Sérgia Ribeiro da Silva – A cangaceira Dadá, viúva de Corisco, em 1942.
Em 1915 fundou a “Liga Baiana contra o Analfabetismo”, instituição que funcionou até a década de 70, publicando cartilhas e mantendo escolas para a população mais pobre, da capital e de algumas outras cidades baianas. Fonte: Wikipédia.