A equipe do Custe o Que Custar – CQC da Rede Bandeirantes de Televisão, esteve recentemente em Conceição do Coité para fazer uma reportagem para o quadro “Proteste Já”, que em tom de humor, chama a atenção das autoridades para corrigir situações que estejam prejudicando a sociedade, principalmente envolvendo a saúde pública. Em Conceição do Coité foram dois dias de gravação, cujo foco foi o meio ambiente, de maneira especial o Matadouro Municipal que ainda não foi adequado por parte do poder público conforme exige a portaria 304/96 do Ministério da Agricultura.
O matadouro, segundo a portaria não atende aos requisitos de higiene no abate dos animais nem no transporte até os frigoríficos e a equipe do CQC exibirá uma matéria na próxima segunda-feira, 18, mostrando toda situação.
A equipe saiu a procura das autoridades responsáveis, para esclarecer os fatos. Inicialmente foi à prefeitura, levando uma cabeça de boi, mas o prefeito e o secretário de gabinete não foram encontrados. Foram procurados também o secretário de saúde e de meio ambiente, além do promotor e juiz, mas ninguém se pronunciou.
O CN esteve no Fórum de Conceição do Coité nesta terça-feira,05, Dia Mundial do Meio Ambiente e ao tratar do assunto com o juiz Gerivaldo Alves Neiva, ele aceitou uma entrevista exclusiva para fazer esclarecimentos sobre a questão do meio ambiente e a presença de uma equipe de TV na cidade. Ele disse que defende a liberdade de imprensa e foi uma decisão pessoal em não conceder a entrevista, mas respondeu aos seguintes questionamentos do Calila:
CN – Dr. Gerivaldo, a reportagem do programa CQC retornou sem conseguir entrevistar autoridades do município. Por que o senhor não falou com o CQC?
Juiz– Primeiro, existem processos tramitando na justiça envolvendo os problemas abordados na reportagem (lixão, matadouro e açude) e o Juiz não pode emitir opinião sobre os processos que estão sob sua responsabilidade. Mesmo assim, disse ao emissário da reportagem do CQC que não gravaria entrevista, mas que colocaria à disposição deles todas as informações necessárias, inclusive cópias dos processos. Por sinal, autorizei ao cartório entregar todos os documentos solicitados pela reportagem do CQC e sei que foram feitas várias cópias.
CN – O que o senhor acha do estilo do programa CQC e da reportagem realizada em Coité?
Juiz– Olhe, eu participei do movimento estudantil no final dos anos 70 e início dos anos 80 e de muitas outras lutas contra a censura prévia, pela anistia, diretas já e, sobretudo, pela liberdade de expressão. Logo, exatamente por conta de minha própria história de vida e de lutas, sou absolutamente a favor da liberdade de imprensa. Sobre a reportagem em Coité, não avalio pelo lado político, mas apenas pelo lado da liberdade de imprensa. Assim, não me interessa se a reportagem vai expor ou denegrir a imagem da cidade ou causar algum impacto político, mas é minha obrigação defender, como Juiz de Direito, o direito à liberdade de expressão de quem quer que seja. Muitos brasileiros foram presos, mortos e torturados na luta pela liberdade e não podemos decepcionar esta memória. No mais, independentemente do CQC, os problemas denunciados existem e precisam de solução urgente.
CN – O senhor falou de processos na justiça. Poderia comentar tecnicamente sobre eles sem emitir sua opinião pessoal?
Juiz – Posso, sim. Antes disso, quero observar que esses problemas não são atuais e ultrapassaram várias gestões sem solução. Portanto, não é de responsabilidade exclusiva do atual gestor. Além disso, apesar da existência de processos judiciais visando a solução desses problemas, quero crer que a solução diz mais respeito à medidas da administração pública do que medidas judiciais. No estágio atual de desenvolvimento do país e da necessidade de eficiência da administração, não creio ser preciso que o Judiciário determine as medidas que o Executivo implemente para solucionar os problemas sofridos pela população. Não é razoável imaginar, por exemplo, que o Juiz imponha à administração pública a obrigação de depositar o lixo em local adequado, para não canalizar o esgotamento sanitário para o açude e para não permitir o abate de animais em local inadequado. O que seria diferente, evidentemente, se fosse o caso de danos causados ao meio ambiente por uma grande empresa privada.
CN – E os processos?
Juiz – Vamos lá, O primeiro processo é o do matadouro e data de 2005. A promotora de Justiça da época requereu a interdição do matadouro e eu deferi a liminar no dia 27 de julho de 2005. Pois bem, no dia seguinte (28 de julho de 2005), por incrível que pareça, o então gestor municipal conseguiu, através de advogados contratados em Salvador, que o Tribunal de Justiça da Bahia revogasse minha decisão. O que me causou também estranheza foi o argumento do Desembargador que revogou a liminar: com a interdição do matadouro, a saúde pública iria correr risco com o abate clandestino! Depois disso, o Promotor fez um acordo com o então gestor para reformar o açougue municipal. Em seguida, depois de muitos entraves processuais, o Promotor fez novo acordo com o atual gestor para adequar o matadouro às exigências legais. Este acordo foi assinado em uma solenidade no Fórum, com cobertura da imprensa, em 18.08.2009, e previa a reforma do matadouro em 08 etapas, em dois anos, e a apresentação de relatórios semestrais ao Ministério Público. Pois bem, o acordo não foi cumprido e o Promotor de Justiça requereu a execução e o cumprimento, mas o problema é que do acordo não constou uma cláusula penal ou punição para o caso de descumprimento, ficando o Judiciário com grande dificuldade para determinar a realização compulsória de uma obra deste porte pela administração municipal. Por fim, são problemas processuais que precisam de solução por parte do Ministério Público e do Judiciário, mas são apenas problemas processuais. Como disse no início desta conversa, no entanto, o problema principal, que é a solução para o abate de animais, precisa ser enfrentado, com urgência, pela administração pública.
CN – O Lixão tem sido motivo de muita polêmica também não é verdade?
Juiz – A situação é muito parecida. Este é um processo que teve início em 2007. A promotora da época requereu a interdição e a liminar foi deferida, inclusive com o fechamento do lixão da Laginha por alguns dias. Sem buscar uma solução para o problema, a administração municipal deixou o lixo nas ruas e conseguiu, em poucos dias, uma liminar do Tribunal de Justiça revogando minha decisão. Mais uma vez, através de escritório de advocacia de Salvador. O argumento do Desembargador que revogou a liminar é no mesmo sentido do anterior: não coletar o lixo ou depositar em local inadequado, poderia causar graves problemas à saúde pública. Depois disso, os advogados do município se utilizaram de tudo o que tinham direito e, por último, requereram a realização de uma prova pericial para protelar ainda mais o julgamento.
CN – E o caso do Açude de Itarandi?
Juiz – Este processo também teve início em 2007. Neste caso, a liminar requerida pelo Ministério Público foi para que não fosse canalizado esgotamento para o açude de novas construções e que o município promovesse o tratamento do esgoto e revitalização do açude. A liminar foi deferida, mas a administração municipal não cumpriu com a parte que diz respeito ao tratamento e revitalização. Depois de muitas idas e vindas processuais e jogo de empurra entre a Prefeitura e a Embasa, o Promotor de Justiça requereu que fosse oficiado a Embasa para que responda, definitivamente, se é de sua responsabilidade o tratamento do esgotamento sanitário de Coité.
CN – Pelo que o senhor relata, os dois últimos gestores sabiam dos problemas?
Juiz – Sim, é verdade. Os processos tiveram início entre 2005 e 2007, mas os problemas já eram graves naquela época. Na verdade, a comunidade também nunca se interessou muito por esses problemas, salvo aqueles que sofrem as consequências diretamente, como as populações do Açude, da Laginha e Terra Nova. Ainda no ano de 2006, durante uma Semana da Cidadania promovida pela Igreja Católica, eu mesmo causei certo constrangimento aos presentes quando apresentei um vídeo que tinha feito com meu celular sobre o problema do açude, abracei Gilcimar, o então presidente da Associação do Açude, e disse que o povo da cidade estava, literalmente, (com desculpas dos leitores) “cagando e andando” para o problema do Açude. Na mesma época, a Igreja Católica, quando aqui era pároco o Padre Elias, promoveu uma caminhada e um abraço simbólico no açude. Algumas escolas também fizeram trabalhos sobre o açude e até um vídeo em forma de reportagem foi produzido sobre o problema do açude. Fico feliz que agora esteja acontecendo essas manifestações em defesa do meio ambiente. O vídeo que me refiro, feito por mim com aparelho celular, como pôde ser visto no Youtube.
CN – E agora, doutor, depois da reportagem do CQC, como ficam os processos na Justiça?
Juiz – Cada processo tem seu curso próprio. Vou me reunir com a Promotora de Justiça e procurar agilizar o andamento dos processos. Como todos sabem, no entanto, a legislação brasileira prevê muitas possibilidades para que o advogado recorra ou crie dificuldades para o andamento do processo. Nos casos aqui referidos, por exemplo, os advogados contratados pela administração municipal, embora dentro da legalidade, já conseguiram derrubar duas liminares no Tribunal de Justiça. Mesmo defendendo que são problemas que precisam de solução pela administração pública municipal, o Poder Judiciário não vai se esquivar de decidir e adotar todas as providências necessárias para o cumprimento de suas decisões.
CN – Doutor, o senhor acha certo que a Prefeitura contrate advogados para derrubar decisões da justiça?
Juiz – Isto é uma questão de opção e prioridades do gestor. Aqui em Coité, no ano de 2010, eu mesmo deferi uma liminar requerida pelo Promotor de Justiça para que a administração não renovasse os contratos ainda vigentes com escritórios de advocacia de Salvador. Esta decisão foi publicada pelo site Calila Notícias. Não bastasse isso, consta ainda dos autos que a estrutura do Gabinete do Prefeito comporta, além do Procurador Jurídico do Município, mais 05 (cinco) advogados na função de “Assessor Jurídico”. Como disse, esta é uma questão de opção e prioridades do gestor, mas no caso específico, o Juiz determinou à administração pública para restringir a casos especiais a contratação de advogados. Com relação aos processos aqui mencionados, os advogados tem desempenhado seu papel de defender a Administração Pública, vez que foram contratados exatamente para isso.
CN – Doutor, para concluir, até fugindo um pouco do assunto. Sobre as eleições municipais, qual a sua expectativa? Haja vista que está a cerca de uma década, frente o eleitoral da 132ª Zona
Juiz – Bom, primeiro tenho a informar que o processo eleitoral desse ano será presidido pelo Juiz do Juizado Especial, Dr. Horácio Moraes Pinheiro. Assim, depois de muitos anos, não serei eu a presidir as eleições municipais de Conceição do Coité. A razão é o atendimento ao rodízio de juízes adotado pelo TRE na condução da Justiça Eleitoral a cada dois anos. Como só existia um Juiz em Coité, sempre fui eu o Juiz da eleição por mais de 10 anos. Com a chegada de Dr. Horácio ano passado, passamos a adotar o rodízio e coube a ele os primeiros dois anos. Significa dizer, portanto, que Dr. Horácio vai presidir as eleições municipais e eu ficarei com a condução das eleições gerais. Sobre as eleições, acredito que vai ser uma eleição tranquila do ponto de vista da Justiça Eleitoral, pois o Juiz é competente e tem experiência em outras zonas eleitorais. Da mesma forma, a equipe do Cartório Eleitoral já tem uma boa experiência na condução das eleições em Coité.
Entrevista concedida a Raimundo Mascarenhas, o mesmo é o autor das fotos do magistrado