Andar pelo sertão, como neste instante em que estou na bela e afável Santaluz (o nome é junto mesmo) é encontrar novos caminhos. O sertão é bonito ao nascer do dia, no crepúsculo, nas noites de milhões de estrelas que competem em beleza com os vaga-lumes de luzes amareladas ou esverdeadas que parecem infinitos faróis quando acendem o derrière no breu da alta madrugada.
Dei a sorte de ver o fenômeno da chamada lua azul. Luar grande, dobrado, brilhante. Uma lua digna do poeta Catulo da Paixão Cearense. O verdadeiro luar do sertão. Foi por pouco tempo e começou a nublar e até pensei que estava chegando o período da chuva, o cambueiro de setembro, e fiquei mais feliz ainda, pois é época de chegarem as águas e aqui não chove faz tempo e é de dar dó ver o gado morto, o cavalo magro e os urubus avoando baixo.
Mas o povo resiste bravamente e na feira podem ser encontrados frutos, legumes e verduras vindos de regiões diversas. Tem até manzanas argentinas. O que me faz revelar que ando perdido na gastronomia sertaneja. Para muitos se trata de uma culinária, dita pesada, de difícil digestão. Na verdade só sofre com indigestão quem tem o estômago fraco. Para estes até sopinha de palma embucha e algodão doce é concreto armado com gravilhão..
Nada como ir à feira livre de Santaluz e procurar por dona Deja. Uma barraca simples, armada entre outras, procurada pelo sabor e qualidade dos seus quitutes. Uma buchada digna dos franceses. Claro que na França tem prato parecido, onde só se muda o tipo do tempero. Esqueci o nome. Ando mesmo esquecido.
Mesmo o haggis, tradicional prato da culinária escocesa é parecido, quase irmão, talvez primo carnal da buchada de dona Deja, que também oferece um sarapatel de dar soninho depois, ainda mais com pimenta malagueta ou de cheiro. Ela e suas filhas capricham no trato e na qualidade.
Gosto por demais da buchada da feira, mas quando se trata de sarapatel de bode vou à dona Maria, em seu boxe no Mercado Municipal, prato disputadíssimo até pelos gringos que pululam pelo sertão não se sabendo como e porque chegaram por aqui e se instalaram. Se for depois do meio dia corre o risco de não achar nem rapa da panela. Descobri que dona Maria também tem uma feijoada de sucesso, aos domingos, em sua casa na rua atrás e à direita da igreja de Santaluz. É para comer rezando, aproveitando a vizinhança, e que o padre está por perto.
Bode assado é de enlouquecer o paladar quando é bem feito, sem murrinha, e quem sabe fazer bem e do bom é Sonson, um flamenguista ferrenho que mandou pintar o escudo do time na parede do seu restaurante. É tido e havido como dos melhores bodes da região. Faz fila e tem de chegar cedo aos domingos, pois ele despacha a conta certa. Carne bem temperada num segredo só dele. No ponto e na altura certa da brasa e na consistência da carne que tem textura de filé mignon e um sabor todo especial que só a carne de bode possui.
No restaurante do Hotel Palacios, de doutor Eduardo, o frisson é o ensopado de galinha caipira, que amanhece já exalando sabor só na feitura. As meninas da cozinha capricham, parecendo que se inspiram e transformam um prato do cotidiano numa repasto para os deuses da gula. Se o cristão for pensar no colesterol não encara tanta comida.
Mas ando fuçando, caçando e correndo atrás de outras iguarias da culinária sertaneja e me bati semana passada com um ensopado de carneiro de comer e agradecer aos deuses numa barraca, acho que do Keko, algo assim, bem na pracinha central da cidade de Valente, onde tem fingidos pórticos romanos decorando a paisagem, sobre uma elevação de pedra de fogo. Carneiro, arroz e farinha. Pimenta e uma cervejinha, enquanto a vida passa mansamente e se afasta o estresse da ferrenha campanha política; coisa do momento e que fica na memória para sempre.
Também descobri uma buchada composta de merecer altos elogios, no restaurante Colher de Prata, na entrada da cidade de Queimadas. Buchada com estrutura firme, bucho fino e recheio picado, acompanhado de pirão que dissipa na boca. Uma aventura pantagruélica para deixar meu cardiologista de plantão e minha mulher pronta para encomendar o corpo, pois a alma está completa, satisfeita e feliz.
Que sejam eternas nossas comidas do sertão, que já foram provadas pelo revolucionário Lampião e sua mulher dona Maria Bonita, pelo visionário Antonio Conselheiro. O pesquisador Oleone Coelho Fontes gosta. Jorge Amado provou e gostou. O criador e gourmet Guilherme Radel indica. O gráfico e empresário Francisco Salles não dispensa. O escritor Graciliano Ramos se encantou. Luiz Gonzaga se esbaldou e até Dom Pedro II gostou e aprovou. E, dizem, comeu tanto que se engasgou.
Outro dia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comeu e lambeu os beiços, e não digam que ele estava em campanha. Os portugueses conhecem o prato e foram eles que nos ensinaram a cozinhar miúdos cobertos, acondicionados, na película extrtaída do estômago do animal (geralmente porcos). Por lá o prato assemelhado à buchada se chama “Maranhos”. Um dia desses ensino como se faz. Por enquanto vou me empanturrando e seguindo os passos do beato Conselheiro.
Por: Jolivaldo Freitas