Há 26 anos, acontecia algo absolutamente improvável nas rádios brasileiras: uma canção de nove minutos, sem refrão, monopolizava as rádios nacionais. A épica Faroeste Caboclo, que ocupava o tempo de três canções convencionais, elevou a popularidade da Legião Urbana e fez de Renato Russo (1960-1996) porta-voz de uma geração.
Agora, o sucesso das rádios chega às telas de cinema. A saga de João de Santo Cristo, interpretado nos cinemas pelo baiano Fabrício Boliveira, 31 anos, estreia hoje em 320 salas do país. O filme é dirigido por René Sampaio, publicitário brasiliense, 39, anos que faz sua estreia em longa-metragem. Felipe Abib, Antônio Calloni e Ísis Valverde completam o elenco principal.
Encantado pela música desde a ouviu pela primeira vez no rádio, aos 13 anos, René Sampaio sempre acreditou que ela daria um bom filme: “É claro que aos 13 anos isso não parecia um objetivo muito real. Mas eis que, 26 anos depois, estamos aqui falando sobre o filme”, diz René.
O sonho começou a ser executado há quatro anos, quando ele se encontrou com a produtora Bianca de Felippes, que assinou a produção de filmes como Carlota Joaquina (1995) e Copacabana (2001), ambos dirigidos por sua ex-sócia, Carla Camurati. Bianca prefere não arriscar qual será a bilheteria de Faroeste Caboclo, mas diz que fez um filme para ter fila na porta. Para isso, foram investidos R$ 10 milhões, sendo R$ 6 milhões na produção e o resto em divulgação.
A julgar pelo burburinho que causou na internet, o filme tem tudo para se tornar uma das maiores bilheterias do ano. Mais de 1,5 milhão de internautas assistiram ao trailer, apenas 48 horas após seu lançamento. Para se ter uma ideia da grandeza, o trailer de Tropa de Elite 2, maior bilheteria da história do cinema brasileiro, foi visto por 930 mil pessoas no mesmo período. O resultado foi uma bilheteria superior a 11 milhões de espectadores, o que o transformou no maior sucesso da história do cinema nacional.
Videoclipe – Mas não espere ver no cinema um videoclipe, já que o filme não chega a ser uma transcrição da música. “Buscamos preservar a emoção da canção, mas nem tudo está lá. Há fatos narrados na música que nós omitimos para melhorar a narrativa”, diz René. Para atingir tal objetivo, o diretor acompanhou a criação do roteiro, que tem a assinatura de Marcos Bernstein, o mesmo de Chico Xavier e Somos Tão Jovens, cinebiografia de Renato Russo ainda em cartaz. A exibição quase simultânea dos dois filmes, segundo os produtores de Faroeste Caboclo, não foi planejada.
Se seguir os passos de Somos Tão Jovens, a produção sobre João de Santo Cristo deve se sair bem, já que, só no fim de semana de estreia, o filme sobre o líder da Legião Urbana levou 470 mil pessoas aos cinemas brasileiros.
Personagens – Embora Faroeste Caboclo não seja mesmo uma transcrição da música, os personagens essenciais estão no filme. Maria Lúcia, “aquela menina falsa” a quem João jura seu amor, é interpretada pela bela Ísis Valverde.
Pablo, “o neto bastardo do seu bisavô”, ganha a interpretação do uruguaio César Trancoso, que é o Dom Rafael da novela Flor do Caribe. E Felipe Abib, conhecido como o Jimmy de Avenida Brasil, dá vida a Jeremias, o tal “traficante de renome” da música que se torna algoz de João. Ainda tem Antônio Calloni, que faz um policial corrupto ligado ao tráfico de drogas.
É Calonni quem dá uma ótima definição sobre a composição de Renato Russo, escrita aos 17 anos: “É uma história pronta. Todos os arquétipos humanos estão nela: o amor, a dor, o prazer, o ódio. E o filme conserva isso muito bem”.
louco amor Há uma boa dose de amor e romance na improvável relação entre o nordestino pobretão João de Santo Cristo e Maria Lúcia, filha de um senador interpretado por Marcos Paulo (1951-2012), em seu último papel no cinema. A sintonia entre os intérpretes do casal foi tão grande que o espectador começa a acreditar que seria mesmo possível aquela paixão.
Um dos momentos mais tocantes do filme, passado num píer, é protagonizado pelo casal. “Grande parte daquela cena foi improvisada. Depois, René pediu para refazermos, mas acabou ficando a primeira filmagem, improvisada mesmo, porque não conseguíamos repeti-la tão bem”, relembra Fabrício.
Não é só o romance que tem espaço no filme. Como na música, a violência também é marcante e o diretor não poupou o público. Sobram tiros, cenas de perseguição, muitos palavrões e até uma forte cena de estupro. Como diz o diretor, não houve uma preocupação em “dourar a pílula”.
E, como estamos falando de um faroeste, há espaço para fazer referências ao western americano, na esperada cena do duelo final entre Jeremias e Santo Cristo. “Foi a minha homenagem a mestres como Sergio Leone, Clint Eastwood e John Ford”, revela René Sampaio.
Santo Cristo é o primeiro protagonista de Boliveira – Fabrício Boliveira tinha apenas 5 anos quando Faroeste Caboclo tomou conta das rádios brasileiras. “Conheci a música aos 15 anos, através de uma namorada mais velha que gostava muito da Legião. Fiquei muito emocionado, principalmente no momento do reencontro de Maria Lúcia com João no duelo final”, lembra-se o ator. Para Boliveira, João de Santo Cristo não é um mocinho: “No filme, como na vida, não há mocinho e bandido. O importante é estar de olhos abertos, como diz Gil”, afirma Fabrício, referindo-se a Gilberto Gil.
Fonte: Correio