Não apenas por causa das manifestações em si, mas a proibição ao uso de bandeiras dos partidos políticos ou qualquer referencia aos mesmos nas passeatas, denotou uma rejeição ao atual sistema partidário brasileiro, e porque não dizer, verdadeiro repúdio aos políticos que o representam. E não é somente isso. O poder de referência e representação do homem público no Brasil parece estar ruindo. Coibiram demonstrações explícitas de adesão à oposição, situação, partidos fisiológicos, de lutas sociais, dos menores e inexpressivos aos mais poderosos. Reprimiram, inclusive com violência, os manifestantes que tentaram contrariar a regra. O credenciamento para participar dos protestos, em principio, era renunciar aos envolvimentos político-partidários e se tornar mais uma voz clamorosa, representante de si mesma. Que consequências esta rejeição poderá trazer? Será que ali não haviam representações partidárias infiltradas? E de onde surgiu esta ideia?
Certo manifestante em São Paulo voltou para casa com a cabeça rachada, atingido por pedaços de madeira, após levantar uma bandeira de partido sobre as cabeças de seus pares. Este sujeito contrariou uma regra interna e controversa, imposta e divulgada pelas redes sociais, que até agora faz emergir discussões não somente no campo político, mas principalmente na academia, onde os ecos do protesto ressoam como brado os anseios da sociedade brasileira.
Fatores do descontentamento da população existem aos montes: são escândalos políticos que se sucedem dia após dia; aprovam-se projetos e emendas constitucionais esdrúxulas; políticos estão mais preocupados com os números estatísticos do que com a vida dos eleitores, das pessoas a quem representam, ou pelo menos deveriam; a grande mídia, ao sabor dos interesses ideológicos e financeiros, toma as dores ou fere, mas nunca se compromete a mostrar os dois lados da moeda; os partidos digladiam-se por cargos, presenteando os filiados com secretarias, ministérios, estimulando-os a sugar os fartos úberes dos governos. E depois que se criou a tese do político idêntico um ao outro, de modo que todos, sem distinção de partido e cargo ocupado, são iguais, não havia necessidade de representação política numa manifestação cujos alvos eram justamente os ditos representantes.
Os manifestantes que reivindicaram a diminuição da tarifa de transporte, conseguiram chamar a atenção dos governos municipal e estadual de São Paulo e alcançaram êxito. Saíram de cena, mas deixaram o recado claro de que, a qualquer momento, sob o pretexto de adesão a novas lutas, poderão retornar. Aquela mobilização representa uma arma nas mãos do povo, talvez tão eficaz quanto uma urna eletrônica e certamente mais ameaçadora do que os protestos isolados de outrora.
Além das pessoas que estavam nas ruas apenas para mostrar seus cartazes e mensagens de desagrado, desinteressadas com a questão política em debate, os filiados de partidos políticos abdicaram de suas condições ideológicas e apoiaram o movimento por sua univocidade apelativa contra a putrefação da política brasileira. Foram os verdadeiros convocados para o embate. Estes e mais ninguém reforçam a descrença do brasileiro também nas instituições públicas, na grande mídia, nos poderes conservadores desta república que vê, aos poucos, o povo se apossar do timão.
Os políticos que estão afastados da discussão, imaginando que desta tempestade se salvaram; os tradicionais comentaristas de política, os grandes jornalistas que figuram como formadores, ainda, de opinião, estarão numa mesma barca tão logo esta nova ideologia de referencia política seja estabelecida. Estes últimos dias foram provas bastante evidentes do poder popular. Os políticos, acostumados a resolver os problemas nos bastidores do poder, devem tomar consciência que não apenas os seus cargos estão em jogo; está em jogo um sistema, um modelo, a política, diante deste cidadão que corajosamente representa a si mesmo.
Mailson Ramos é bacharelando em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade do Estado da Bahia e colunista do Observatório da Imprensa.