O principal sistema de monitoramento de tubarões na costa do Recife (PE) estava inoperante havia sete meses, por problemas orçamentários, quando a uma jovem turista paulista foi atacada na manhã de segunda-feira (22).
A informação é do especialista Fabio Hazin, pesquisador da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e um dos fundadores do Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit).
Desde 2004, Hazin e outros cientistas ligados à ONG Instituto Oceanário operam um programa permanente de captura e remoção de tubarões do litoral do Recife. O sistema consiste em pescar os tubarões, marcá-los com etiquetas de rastreamento e soltá-los em águas mais profundas, bem longe das praias e dos banhistas. Mais de 80 tubarões de espécies consideradas “agressivas” (principalmente o tigre e o cabeça-chata) foram capturados assim nos últimos oito anos, e a redução do número de ataques foi de 90%, segundo Hazin.
Vinte ataques foram registrados nesse período, sendo apenas três nos 83 meses em que o sistema estava operacional. Todos os outros ataques (17) ocorreram fora da área de monitoramento ou em períodos em que o programa não estava operacional, por falta de recursos – entre eles, este caso mais recente, de Bruna Gobbi, que foi mordida na segunda-feira. Ela foi levada a um hospital, com a perna dilacerada, mas morreu.
“É o programa de monitoramento de tubarões mais eficiente do mundo”, disse Hazin ontem, em uma palestra na reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que coincidentemente ocorrendo nesta semana no Recife. “A primeira reação do tubarão quando ele é solto é se afastar da costa e migrar na direção norte”, completou, citando dados de telemetria obtidos por meio de marcadores via satélite colocados nos animais.
“Não há necessidade de sacrificar os tubarões, porque eles não voltam para a praia.” “A taxa de ataques vem caindo, então consideramos que é um método eficaz”, confirmou ao Estado a atual presidente do Cemit, Rosângela Lessa, que também é pesquisadora da UFRPE.
O projeto Protuba é gerenciado pelo Instituto Oceanário com recursos da Secretaria de Defesa Social (SDS) do Estado. A informação do governo estadual é que o dinheiro foi depositado na terça-feira, 23, e que o atraso no repasse ocorreu por “questões administrativas”.
O secretário de Comunicação do governo, Evaldo Costa, questionou, ironicamente, a possibilidade de haver relação entre a suspensão temporária do projeto e o ataque de segunda-feira. “Parece até que os pesquisadores treinam os tubarões para conseguir recursos. É muito curioso isso, muito estranho”, disse.
Segundo ele, o Protuba é um projeto de pesquisa e não de defesa das praias contra tubarões. “É incompreensível fazer uma interpretação de que haja qualquer vinculação entre uma coisa e outra.” “As estatísticas falam por si só”, rebateu Hazin. Segundo ele, seriam necessários R$ 1 milhão para o programa funcionar o ano inteiro sem interrupção, com duas embarcações. Risco natural. Os ataques de tubarões no litoral de Pernambuco começaram a ocorrer há cerca de 20 anos.
De 1992 até julho de 2013, segundo Hazin, foram registrados 59 ataques, que resultaram em 24 mortes. A maior parte deles (45%), ocorreu na costa do Recife. Segundo o pesquisador, isso deve-se a uma combinação de fatores que se somaram nas últimas décadas, incluindo a construção do Porto de Suape, ao sul da capital, e a degradação dos ecossistemas costeiros pela poluição orgânica da cidade, que atrai os tubarões para perto das praias. A maioria dos ataques envolve o tubarão-tigre, que é uma espécie migratória.
Segundo Hazin, os estudos mostram que muitos deles chegam ao litoral pernambucano do mar aberto, acompanhando navios cargueiros que atracam no porto. Ao “bater na costa”, eles seguem naturalmente o rumo das correntes marítimas para o norte, o que os leva diretamente para as praias de Piedade e Boa Viagem, onde acabam chegando muito perto de banhistas e surfistas (mais informações no infográfico acima).
Ambas as praias são amplamente sinalizadas com placas de alerta sobre o risco de ataques de tubarão. “O risco nunca vai chegar a zero”, avisa Hazin. “Sempre que pessoas e tubarões estiverem tão próximos uns dos outros, vão ocorrer ataques.” Achar que é possível evitar isso completamente, segundo ele, é tão ilógico quanto achar que é possível eliminar o risco de picadas de cobra quando se anda no mato. “São acidentes naturais.”
Com informações do Estadão Conteúdo*