Não é a primeira vez e muito menos a primeira demonstração desrespeitosa e anti-diplomática dos EUA em relação aos países da América Latina. A atitude da Agência de Segurança Nacional Americana (NSA), através do programa Prisma, que visava o acesso a informações privadas – e-mails, fotos e arquivos – por intervenção em empresas do calibre da Apple, Facebook e Google. Enquanto o agente que vazou estas informações, Edward Snowden, foge da ira do governo americano feito o diabo diante da cruz, o mundo inteiro se pergunta qual o limite dos Estados Unidos nesta sua guerra silenciosa contra o próximo inimigo potencial; e está comprovado mais uma vez que o Brasil, se não representa um forte aliado ou um inimigo adormecido, deve ao menos estar sob os olhos observadores desta águia desconfiada.
Os americanos tiveram envolvimento direto com a ditadura militar no Brasil e em processos parecidos em outras nações do continente. A espionagem de proporções inimagináveis deflagrada por Snowden, que agora procura asilo político em Hong Kong, é a oportunidade mais racional de questionar e criticar a política investigativa pessoal e governamental dos americanos em relação ao restante do mundo. Vivem-se momentos de dominação da informação, cuja metáfora remete a uma comunidade global liderada por um país e suas pretensões. O mundo é o quintal dos EUA.
Ao menos é esta a imagem que transmitem com sua arrogância, desconfiança desenfreada, imaginam-se ser o modelo incontestável de democracia, quando na verdade cassam o direito de expressão e privacidade das pessoas, sejam elas americanas ou não. Então é a mais pura verdade que existe um grande irmão (big brother) que investiga a vida de qualquer pessoa no mundo, com olhos capazes de localizar arquivos, analisar fotos e conteúdos de e-mails – concedendo às teorias da conspiração um pouco mais da verdade que nelas sempre há.
Com esta intervenção atroz e irresponsável, o governo americano provou que entre a narrativa ficcional do cinema hollywoodiano e a verdade concreta, existe uma linha tênue que se esconde por trás da personalidade secreta de agentes como Edward Snowden. A obsessão em investigar, em fazer verdadeiras devassas na vida de desconhecidos, exibe um estilo desrespeitoso dos americanos em transformar o mundo em seu quintal, onde todos os rostos, identidades e gostos sejam facilmente reconhecíveis. Há um mês esta história poderia ser roteiro de filme de Hollywood, teoria da conspiração, produto da mente de um lunático. Hoje é a pura realidade.
Quem defenderá os usuários desta ânsia americana em invadir espaços privados na rede? Existe uma maneira de isola-se e evitar o assédio? Quais as medidas das gigantes Google, Microsoft, Apple e Facebook para defender seus usuários? E que envolvimento elas teriam no fornecimento de dados à NSA? Estas questões se originam justamente no momento em que os mais simples usuários de contas de e-mail e especialmente do Facebook, se veem ameaçados pela invasão. Isto pra não citar a invasão aos dados governamentais de determinadas nações.
O governo americano nega as acusações e tenta desacreditar as confissões de Edward Snowden. E enquanto imprime uma corrida espetacular de gato perseguindo o rato, desvia o foco da discussão. Adoram contestar decisões governamentais pelo mundo afora e odeiam ser questionados. Endeusados, modelos de administração pública, nacionalistas inveterados, não admitem crítica nem mesmo de seus aliados; muito pelo contrário. Parece que a Inglaterra aprendeu com sua ex-colônia o vício obscuro de espionar inclusive seus cidadãos. Se virar moda, a liberdade de expressão se tornará um pequeno camundongo no mundo-quintal de Sua Senhoria Tio Sam, vigiada pela águia de olhos e ouvidos aguçados.
Mailson Ramos é bacharelando em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade do Estado da Bahia e colunista do Observatório da Imprensa.