De novo o mensalão ocupa a atenção pública nacional. A a bola da vez é se cabe ou não embargos infringentes perante o Supremo, o que é uma discussão técnica e, por isso mesmo, muito além do senso comum, mais preocupado (e com razão) se vamos ter justiça ou se tudo vai acabar em pitza.
Entretanto, um outro debate passou quase desapercebido no julgamento da Ação Penal 470, muito mais relevante aos interesses da cidadania. O Ministro Roberto Barroso declarou não julgar preocupado com as manchetes dos jornais do dia seguinte e aí o Ministro Marco Aurélio respondeu que tem satisfações a dar aos contribuintes. Levadas ao pé da letra as palavras de um e de outro, parece que o debate é se o juiz deve ou não satisfações ao distinto público pagante.
Mas, em verdade, a discussão ali é bem mais profunda. O cerne da questão é saber-se até que ponto o livre convencimento do juiz deve ser influenciado pela voz rouca das ruas. Esse debate existe sempre quando o caso em julgamento tem grande repercussão social.
O Judiciário é um dos Poderes da República e, a exemplo do Executivo e do Legislativo, deve dar satisfações aos contribuintes, tal como disse o Ministro Marco Aurélio. Porém, sua missão é aplicar a lei e a lei é genérica e abstrata, ou seja, tanto vale para Chico quanto para Francisco. Não é por outro motivo que a esfinge da Justiça traz os olhos vendados, exatamente para não ver a quem vai dar razão. Logo, o Ministro bBarroso também está certo.
Quando disse não se preocupar com as manchetes do dia seguinte, sua Excelência necessariamente não destilou empáfia; talvez demonstrasse que o juiz deve ter equilíbrio suficiente para não se transformar em um justiceiro. Por ser tão aviltado em seus direitos mais elementares, o povo muitas vezes precisa da sangria de alguém para sentir-se momentaneamente saciado em suascarências.
Não vai aqui nenhuma defesa dos mensaleiros. Quero que eles paguem por seus malfeitos, que vão muito além de um concurso de delitos penais. Só não concordo com linchamentos. Não faz sentido o mesmo povo que quer vê-los na cadêia, aclamar seu chefe como o maior líder polítco da atualidade e manter o governo a quem eles serviram com boa avaliação popular.
Venho da melhor escola política que já existiu na história brasileira: O PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO, o velho e insuperável PARTIDÃO. Aprendi com homens da estatura de Giocondo Dias, Salomão Malina e o nosso Fernando Santana o valor universal da democracia. E num regime democrático não cabem julgamentos de excessão. Assim, se o Judiciário, premido pela opinião pública, também precisa ter uma agenda positiva, não será ferindo o devido processo legal que vai prestar um relevante serviço a Nação .
Voltando a questão dos infringentes, sua admissão não significaria necessariamente a absolvição dos mensaleiros. Porém rejeitá-los apenas pelo receio da opinião públicanão estaria a altura da missão constitucional do Supremo. Nossa Constituição é Cidadã exatamente por ter privilegiado,até na cronologia dos artigos, as garantias do indivíduo ante as prerrogativas do estado. E zelar pela prevalência dos seus princípios é uma atitude política.
Mais que pessoas, no caso da Ação Penal 470, o que deve ser julgado é uma visão de se fazer política. E este julgamento o povo é quem deve fazer . Mas não se pode afastar o elemento político do jurídico. E Éesta conexão que alimentou o debate dos Ministros Barroso e Melo.
A propósito, vem a memória o caso Mendes Tavares, a história de um rumoroso crime pacional ocorrido em 1911. Por seus personagens e suas ligações com a campanha Presidencial ocorrida no ano anterior, na qual se confrontaram Ruy Barbosa e o Marechal Hermes da Fonseca, o episódio tomou contornos políticos, levando Evaristo de Morais a consultar seu Líder (esse merece letra maiúscula), o nosso Águia de Haia, se deveria aceitar ou não o patrocínio da causa, já que o principal acusado servira ao Marechal. A resposta de Ruy veio em forma de carta que se transformou em livro “O Dever do Advogado”, cuja leitura refuto obrigatória a todos os democratas de boa sepa. Dali extraio a conclusão deste artigo: “O furor dos partidos tem posto muitas vezes os seus adversários fora da lei. Mas, perante a humanidade, perante o cristianismo, perante o direito dos povos civilizados, perante as normas fundamentais do nosso regímen, inguem, por mais bárbaros que sejam os seus atos, decai do abrigo da legalidade.”.
MARIO LIMA – ADVOGADO E PROCURADOR DO ESTADO