Os Estados Unidos atiraram na lama todo e qualquer resquício da diplomacia. Sobrepujaram na lama da espionagem a relação amigável que tem com o Brasil. Qualquer sujeito brasileiro, em sã consciência, há de deplorar no âmago de sua cidadania, o abjeto dossiê que a NSA criou em torno da figura da presidente Dilma. Com o soberbo ar de superioridade sobre as Américas, e quiçá sobre o mundo, Barack Obama e seu sistema de espionagem desconcertante criaram um modelo irretocável de invasão de privacidade, de quebra da segurança e soberania de outros países. Em nome da defesa de uma nação, colocam-se chefes de estado sobre o foco de agentes treinados para devassar não somente sua vida pessoal, mas também suas ideologias políticas e como estas têm influenciado na direção do país.
Os brasileiros devem se lembrar sempre que o fatídico final de março de 1964, com a instauração da ditadura militar através do golpe, foi promovido e arquitetado por autoridades americanas que se prestaram ao vil desserviço de arrancar do povo a sua liberdade; Jango, considerado um sujeito cujas ideologias não deveriam contaminar a gente brasileira, foi banido do cenário político para ceder aos militares o espaço que não lhes era devido. Os presidentes estadunidenses patrocinaram a maioria dos sistemas ditatoriais nas Américas nas últimas décadas do século XX. Compõem assim um desejo inveterado de dominação mesmo por mãos de terceiros.
E muito natural que o governo brasileiro, através do ministro de estado da justiça, peça esclarecimentos e em seguida a retratação completa do governo americano pela arbitrariedade cometida. No entanto, a coisa é mais séria do que se pode pensar. O cidadão brasileiro deve levantar questionamentos a respeito da diplomacia ferida, do desejo dos americanos em cumprir uma tarefa que vai de encontro à democracia e aos direitos individuais. Esta discussão não diz respeito apenas ao governo brasileiro. Se os agentes da NSA são capazes de invadir a privacidade da maior autoridade política do país, o que não fará com o e-mail de um usuário normal, seja ele um grande empresário ou um estudante de ideias revolucionárias?
Os diretores e roteiristas do cinema hollywoodiano compõem narrativas ficcionais baseadas em investigações sigilosas, em queda de presidentes nos bastidores ou uma supremacia intocável do mandatário americano sobre as outras nações. Ultimamente os roteiros não têm sido tão ficcionais assim. As agencias de investigação estão cada vez mais preocupadas em invadir a vida de autoridades a quem o presidente Obama apontar o dedo. Constrói-se um arquétipo fundado na violação de direitos básicos, em nome da pretensa soberania sobre outras nações.
A verdade é que os brasileiros aprenderam a admirar os Estados Unidos através das séries de TV, do cinema, da vida perfeita exposta nos documentários. Respeita-se a autoridade incontestável de quem tem poder o suficiente para varrer uma nação do mapa em segundos. O inglês é o idioma do glamour, do sujeito ‘bem sucedido’, do estudante que fez intercambio e se julga praticamente um americano porque domina a língua perfeitamente. A bandeira americana está estampada nas roupas muito mais do que a brasileira; é mais luxuoso e adequado nomear uma loja recém-inaugurada com o inglês. Além do mais, Obama é o presidente dos sonhos. Rever o sentido de patriotismo neste momento consiste em voltar os olhos para o valor da gente brasileira e abandonar velhas e descabidas admirações.
Mailson Ramos é bacharelando do curso de Comunicação Social | Relações Públicas pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). É colunista do Observatório da Imprensa e do portal Calila Noticias. Criou e administra o blog Opinião & ComTexto. É autor do livro Anjo Devasso e Outros Contos, publicado pela Livraria Saraiva.