Para muitos, o assunto desperta interesse por conta de quem veio a discussão.Falo dos artistas,pois,não faz muito,o Estadão foi proibido de veicular matérias sobre um dos filhos de Sarney e todas as vozes se levantaram a favor da liberdade de imprensa.
Mas,agora,estão no palco figuras como Roberto Carlos,Chico Buarque,Caetano,Djavan,dentre outros que são paixões nacionais. E, como era de se esperar, o debate toma contornos para muito além da razão.
Todos nós temos direito a informação. Mas,também,cada um de nós, tem o direito a sua privacidade. Então chegamos ao velho debate sobre quem deve prevalecer: o coletivo ou o individual.
Com essa minha mania de complicar as coisas, tenho que dizer que o debate não pode ser tão maniqueísta assim. Ora, quem mais deve preocupar a nação: um velho bigode envernizado ou as cabeleiras da Jovem guarda ou da Tropicália? Paga a prenda de comer durante uma semana mouse de jiló com calda de chuchu quem errar na pergunta: qual o livro seria mais vendido: Honoráveis Bandidos de Palmério Dória ou Roberto Carlos em Detalhes de Paulo César de Araújo?
Dentre os cadernos dos jornais do domingo, aposto com quem quiser o meu cheque especial estourado que o mais lido é o da novela, seguido da página policial e, por último, a página de opinião. Obs: Não tem devolução.
Ta, e daí, onde quero chegar? Muito simples. Tenham um pouquinho só de paciência.
O Art. 20, do atual Código Civil, por sinal de forma muito infeliz, diz que as biografias têm que ser autorizadas. Ora, isto colide com o direito de manifestação do pensamento, pois quem escreve sobre a história de alguém não tem como não emitir um juízo de valor a seu respeito, colidindo também com o direito a acesso de informação, na medida que, qualquer um de nós tem o direito a saber o que formou a personalidade tanto de Solange Teixeira Hernandes, ou simplesmente D. Solange, a mais famosa censora do Regime de 64, quanto do Mano Caetano que lançou o brado “é proibido proibir”.
A questão é que, conhecendo o gosto nacional pelas coisas por assim dizer “picantes”, muitas biografias focariam mais a intimidade dos biografados do que o contexto em que sua personalidade e sua obra foram forjadas. E aí, vamos combinar: o que ocorre entre quatro paredes só interessa aos que estavam lá.
Mesmo um artista famoso, ainda que subvencionado com verbas públicas, tem o direito a sua privacidade e, consequentemente, o direito de defendê-la.
O próprio art. 20 do CCB, ao qual se apega a Associação Procure Saber, já oferece a saída, que é a ação de reparação de danos morais. Infelizmente ninguém acredita na Justiça por ser ela morosa.
Por conta disto, quando uma ação indenizatória é concluída, o estrago moral já não tem remédio. Se houvesse efetividade na atuação preventiva do Judiciário, seguramente o País não estaria enfrentando um debate que, por mais legítimo que seja no seu conteúdo, possui um forte e perigoso viés autoritário.
A Procure Saber, defendendo a privacidade dos seus membros, equivocadamente procura uma saída anti-democrática. Por seu prestígio, essa Constelação prestaria melhor serviço se afiasse a faca que, de tão usada, já não corta, para cutucar a porca que, de tão pesada, já não anda.
MARIO LIMA – ADVOGADO E PROCURADOR DO ESTADO