Véspera de Natal, data marcada pela união familiar, jantar ou Ceia de Natal, distribuição ou troca de presentes a meia noite, enfim, momentos de alegria para muitos e tristeza para quase duas mil pessoas que moram na pequena cidade de Lajedinho, uma das menores do estado da Bahia, situada mais especificamente na região da Chapada Diamantina e sem nenhuma cidade de grande porte próximo. 65 Km de Itaberaba, aproximadamente a mesma distância de Ruy Barbosa e Lençóis que margeiam a BR 242, principal via de acesso a Brasília.
A equipe do CN foi aquela cidade distante 265 km da cidade de Conceição do Coité, onde está localizada a sede da Agência Calila de Notícias, verificar a situação em que se encontra quinze dias após a maior tragédia de sua história e registrou os estragos deixados pela enchente ocorrida na noite de sábado (07) e madrugada de domingo (08), que deixou 17 mortos, oito de uma mesma família.
O que pode ser notado é que nada foi feito de reconstrução, as máquinas ainda estão retirando destroços e a população limpando seus moveis e eletrodomésticos, e a cidade totalmente parada ao ponto de a distribuição de alimentos está sendo para todos moradores da cidade. O ponto positivo é o bom estoque de água, alimento e remédio, sem falar de equipe médica.
Mais de 200 casas foram destruídas, entre elas todas situadas ao lado direito da Rua 07 de Setembro, próximas da Igreja Nossa Senhora do Carmo, construídas a mais de 50 anos e as sedes dos órgãos públicos, incluindo a Prefeitura, secretarias, Almoxarifado da Secretaria de Educação, Centro de Inclusão Digital e os Correios.
Mais de mil pessoas estão desabrigadas e desalojadas, a exemplo do prefeito Antonio Mario Lima (PSD) e da primeira dama Célia Silva Moura e Silva, que tiveram sua residência situada na Rua Júlio Cavalcante da Silva, principal acesso à conhecida cidade baixa, parcialmente danificada e o casal está alojado na casa de um sobrinho.
Vamos entender o que aconteceu em Lajedinho
Durante o temporal, choveu cerca de 120 milímetros, fazendo com que o canal pequeno que corta a cidade, próximo a nascente do Sacraiú, rio que compõe a bacia do Paraguaçu e dentro do seu percurso, banha alguns municípios até desembocar no Rio Jacuípe que, apesar de não ser um córrego perene, quando transborda tem potencial de destruir toda a região e que ao longo dos tempos foram construídas nas suas margens uma série de habitações e até mesmo prédios públicos e a maior parte das casas comerciais, transbordasse e causasse uma tragédia desta dimensão.
Mais de 90% do comércio local foi afetado e 243 imóveis, entre casas e lojas, foram atingidos pelo temporal e estão sendo demolidos, como a sede da prefeitura. José da Conceição Lacerda, 62 anos, residente na Rua do Pega, disse ao CN que passou “um sufoco muito grande”, ao vê a água invadindo sua casa, onde estava na companhia da esposa e uma neta.
Ele contou que o momento é doloroso e não gosta nem de lembrar, pois viu a água levando tudo pela frente e quando amanheceu o dia, pode vê com mais clareza todo dano causado pela enxurrada, inclusive com a perda de toda mercadoria do seu mercadinho avaliado em R$ 50 mil. “A água ia se espalhando por todas as ruas e becos, pois havia vários obstáculos no seu trajeto”, contou José da Conceição.
Em meio ás máquinas e homens trabalhando na limpeza da cidade e retirada dos entulhos, as histórias de terror vividas pelos moradores são as mais variadas possíveis. Maria Eunice Macedo Gois, contou ao CN que “perdeu tudo, mas não perdeu a vida”. “Era uma pessoa evangélica, estava afastada da Igreja e agora Deus me deu esta oportunidade, vou votar a frequentar e fazer mais pelos meus irmãos”.
Ela é funcionária dos Correios e mesmo sem ter como trabalhar, fica todo o dia sentada em frente da agência. Ela também contou que um dos seus filhos havia montado uma casa de material de construção e mesmo antes de inaugurar, as águas levaram tudo. Nunca imaginei que iria nadar dentro de minha própria casa”, contou a servidora.
O pedreiro José Antonio Jesus Santos, 49 anos, mostrou a equipe do CN onde morava sua mãe Olivia Andreza de Jesus, 70 anos, arrastada pela correnteza juntamente com suas sobrinhas Cátia Fernanda de Jesus Santos, 30 anos, Luiza Santos Lima, 15 anos e o pequeno Pedro Levi, 03 anos, filho de Fernanda, cujos corpos foram encontrados no dia seguinte e um deles, da sua mãe Olivia, a mais de 07 km da cidade. A casa de “Dona Olivia” era a terceira da Rua 07 de Setembro.
Ao amanhecer do domingo, o grande desafiou era encontrar os corpos e coube a Raimundo Gonçalves da Silva, 40 anos, que perdeu duas tias e três sobrinhas, encontrar o corpo de “Dona Olivia”. Os parentes de Raimundo moravam na segunda casa da Rua 07 de Setembro.
O deficiente auditivo Derlan Almeida dos Santos, 37 anos, quinze dias após sepultar a esposa Rafaela Ferreira da Silva, ainda estava em estado de choque e mesmo assim contou ao CN que viu quando começou a chuva, a água começou entra na casa e achando que era passageira, tentava retirar com baldes e de repente as águas chegaram de vez e sua mulher foi abrir a porta para tentar sair de casa, quando foi arrastada. “Tentei evitar, segurei pelo seu braço, mas a força da água era muito forte e não conseguir. Vi quando ela era arrastada pela correnteza sem que pudesse fazer nada”, desabafou Derlan, que está alojado na residência da avó, lembrou que ele mesmo encontrou o corpo da esposa a mais de 04 km.
Toda destruição das casas da Rua 07 de Setembro foi presenciada pelo aposentado José Silva Rodrigues de Almeida, 60 anos. Ele relatou que apelou para as pessoas deixarem suas casas, pois percebeu que as águas estavam subindo rapidamente, até que viu um carro modelo Gol, sendo arrastado pela correnteza como se fosse um barco e de forma desgovernado, chocou-se na lateral da primeira casas, provocando a queda de todas, sob o efeito “carreira de dominó”, pois as casas eram “parede e meia”, “cominheira interligadas”, cuja construções foram edificadas a mais de 50 anos.
“Fiz o que pude, mesmo de forma desesperada, pois estava vendo nossos amigos sendo carregados. Neste desespero, vi quando a água ia arrastando uma garota de 12 anos e pude entra na correnteza, pegar em sua mão e lhe salvar”, finalizou.
Josemario Macedo Góis, 38 anos, também teve oportunidade de contar a vitória para salvar a vida de Paulo Carlos dos Santos São José, 101 anos. Ele também estava em uma das casas da Rua 07 setembro acompanhado de cinco pessoas e ao perceber que a casa estava sendo tomada pelas águas, cuidou de colocar uma escada e pediu para que todos subissem até a laje da caixa d’água, inclusive o “velho Paulo Carlos”, que foi colocado no alto em seu colo é deficiente visual e perguntava o que estava acontecendo, no final, todos nós estamos salvos, graças a Deus”, concluiu.
As famílias que perderam as casas ou tiveram de sair devido ao risco de desabamento estão alojadas em casas de parentes e 37 pessoas estão na Escola Ana Lúcia Lima Macedo, onde recebem alimentação, roupas e cobertores.
Um grupo de dez psicólogos encaminhado pelo Conselho Regional de Psicologia e SEDIR, prestam acompanhamento das desabrigados e as famílias que perderam parentes.
Para ajudar as vítimas do temporal, a prefeitura abriu uma conta bancária no Banco do Brasil, SOS Lajedinho, nº 40.000-9, agência 0595-9, onde os interessados podem depositar quantias para doação. Os voluntários que ajudam as pessoas disseram ao CN que amor necessidade é água e alimentação, pois estão sendo atendidas quase todas as pessoas residentes na parte baixa da cidade. (VEJA OUTRAS FOTOS)
Por: Valdemí de Assis / fotos: Raimundo Mascarenhas