Ícone que se preze produz sentido mesmo ausente. E convém dizer que a morte, em sua nefasta ocultação do ser material, de modo algum consegue sobrepujar a essência de um homem, mas na verdade exaltá-la. É sim a morte que abre um portal iluminado para a história, gravando em peças de aço da memória os nomes de quem jamais se deve esquecer. Estes nomes caminham por gerações e comungam do mesmo mote: a imortalidade é para os heróis. Hoje, a memória coletiva recebeu a notícia da morte de Nelson Mandela, aquele a quem a negritude deve honrarias, a quem os colonizadores devem respeito, a quem os ignorantes ao menos serão capazes de resumir como alguém muito importante. Não apenas para a África do Sul, mas para o mundo, Mandiba representa a negação ao ódio entre raças, a aversão ao separatismo, a revolta contra conceitos infundados de segregação étnica e racial.
A tranquilidade dos gestos era a evidencia incontestável de um homem que não conseguia compreender o projeto do governo sul africano com o apartheid. Tranquilidade esta que o fez suportar os 27 anos de prisão. Mandela, condenado à prisão perpétua, foi libertado em 11 de fevereiro de 1990, aos 72 anos de idade, mas com a insaciável missão de questionar o atual sistema. Das grades se liberta para conformar uma nova nação, cujos diretos (especialmente dos nativos) não estavam sendo respeitados. Se um homem escreve sua própria história, com punho cerrado Mandela para fundar uma nova África do Sul.
É preciso lembrar que o governo reprimia, torturava e matava revolucionários que contestassem suas decisões; pessoas de grande influência foram assassinadas, dilaceradas, mortas sem chance de defesa. Existia um governo opressor através da polícia e uma gente oprimida que se via entregue diante de tantas injustiças. O ódio era extremo e a grande preocupação do advogado Mandela era a reconciliação. Não estava em seus planos a afirmação dos ideais negros sobre os brancos e muito menos dos brancos sobre os negros; o que aquele sujeito queria era a paz.
O fim do apartheid representou e ainda representa uma quebra dos valores conservadores de divisão de espaço, mesmo que invisível, entre negros e brancos; e isto não somente na África do Sul, não somente nos EUA ou no Brasil: a visão englobaria um sistema de referência muito mais amplo e significativo. Certamente o povo sul-africano jamais se esquecerá do seu primeiro presidente, do sangue derramado pelos revolucionários para que um dia valesse a pena, mas será impossível, para eles e para o restante do mundo, esquecer-se de paz ao avistar o sorriso e a graça de Mandela.
O mundo, que anseia por homens de paz, verdadeiros homens de paz e não aqueles que o pretenso discurso fez criar, estará a partir de hoje sem um ícone, órfão de ideais pacifistas que permanecerão no imaginário de cada ser humano. A grande mensagem deste homem é intensa, magnífica e pode ser conduzida por cada um de nós até a geração seguinte: o mundo não necessita de homens que lutem por si próprios, pois a heroicidade está sobreposta num excelso fulcro chamado coletividade.
Mailson Ramos é estudante de Relações Públicas e escritor.