O Juiz da Comarca de Conceição do Coité Gerivaldo Alves Neiva, fez algo considerado inovador na manhã desta terça-feira,21, quando deixou seu gabinete no Fórum Durval da Silva Pinto e percorreu cerca de 20 km até uma fazenda na região do Povoado de Itarerú que foi ocupada por cerca de 400 famílias na última quinta-feira,16, (sendo 300 de Coité, 50 de Retirolândia e 50 de Valente), para realizar uma audiência pública debaixo de um barraco improvisado pelos integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST).
O encontro que contou também com o prefeito de Conceição do Coité Francisco de Assis e o de Valente Ismael Ferreira,vereadores dos dois municípios,proprietários da fazenda e seus advogados, comandante interino da 4ª Cia PM, recebeu ainda representantes da Casa Militar do Governo do Estado da Bahia especializados no assunto de reforma agrária e Ciro Cedraz, ouvidor Agrário Regional representante do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
De acordo com o juiz Gerivaldo Neiva a reunião inaugurou uma nova forma de tratar o assunto e que ali esteve para mediar o acordo de forma pacífica.O magistrado ouviu atentamente todas as partes e garantiu que a forma antiga de resolver conflitos de terras não existirá, por esse motivo convocou todos para uma conversa franca e aberta.
A audiência chamou a atenção de todos inclusive dos representantes do Governo e do INCRA que disseram nunca ter participado de um ato daquela natureza com a presença de um juiz na área em questão.Fato observado e comentado por Pascoal Silva de Andrade, diretor estadual do MST, que destacou também a rapidez para a discussão.
As autoridades ouviram dos lideres do movimento Pascoal Andrade e Edney Silva as justificativas para a ocupação das terras que em menos de uma semana dezenas de barracos já foram erguidos e muitos deles sendo feitos enquanto acontecia a reunião.Eles pediram uma vistoria técnica através do INCRA para que seja feita a desapropriação caso seja considerada terra improdutiva, mas receberam uma “ducha fria”, pois segundo Ciro, a terra já foi vistoriada em 1999 depois de ser ocupada pelos trabalhadores sem terra ligados a FATRES e na ocasião foi vistoriada pelo INCRA e não se enquadrou nas condições de área da reforma agrária.
Mas a resposta não convencia os sem terra que a todo instante argumentava situações que para eles dava o direito de permanecer na área ocupada, outro grande problema que impede que a terra seja vistoriada pelo INCRA.
Os lideres argumentaram ainda que não tinham onde abrigar todas aquelas famílias e sugeriu que todos ficassem onde estão e ninguém sairia de suas casas para outras áreas da fazenda enquanto não definisse a situação, o juiz ao questionar o advogado Eustórgio Resedá, contratado pelo proprietário da terra se era possível aceitar aquela proposta, o mesmo disse não, “aceitamos participar de todas as reuniões em qualquer lugar para discutir o assunto, mas é preciso que todos deixem a fazenda”, propôs o advogado.
Edney revelou que existem ainda cinco fazendas que os sem terra estão de olho e querem que sejam vistoriadas pelo INCRA e a ideia é montar acampamentos em todas, pois “são 400 famílias que estão acampadas na Fazenda Marruás e haverá uma “peneira”, sendo que não haverá espaço para todas, sendo necessárias outras áreas.
Após a discussões que durou praticamente toda manhã e entrou pela tarde, o juiz perguntou se os lideres do sem terra queriam 20 minutos para se reunirem entre si a fim de encontrarem a melhor forma para discutir o assunto, eles aceitaram e ao retornarem depois de novas sugestões de ambas as partes, o ouvidor do Incra propôs um acordo com os ocupantes que prevê uma reunião em Salvador com representantes do Incra; da Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA) e proprietários dos imóveis ocupados.
A reunião terá como pauta as propostas dos ocupantes para desapropriação de outras áreas na região e também discutir a situação do imóvel ocupado. Em contrapartida, os ocupantes deveriam deixar a área, pois segundo o ouvidor do Incra, o órgão não pode realizar vistorias e nem iniciar processo de desapropriação enquanto permanecesse a ocupação. Inicialmente, os ocupantes recusaram a proposta, mas no final aceitaram estabelecer um prazo até o dia 18 de fevereiro 2014 para desocuparem a área.
Para celebrar o acordo foi elaborada uma ata e assinada por todos os presentes. Em seguida, o Juiz informou que o processo ficará suspenso até a data limite da desocupação e o advogado dos proprietários deverá comunicar ao Juiz o resultado das reuniões agendadas.
Segundo o Juiz da Comarca de Coité, Dr. Gerivaldo Neiva, a reunião teve êxito absoluto, pois “abriu várias portas de negociação, deu visibilidade ao problema dos trabalhadores sem terra e, principalmente, inaugurou uma nova forma de tratar o problema de ocupação de terras através do diálogo franco com as partes envolvidas, pois não há mais lugar na democracia brasileira, para desocupações através de violência”,concluiu o Juiz.
Terra ocupada
A fazenda pertencia ao fazendeiro e comerciante Gildásio Ferreira da Silva, que faleceu em 1970, vítima de ataque cardíaco. Com 2.500 tarefas a terra ficou para os filhos Giovani e Gisele Ferreira da Silva, sendo dividido oficialmente em duas fazendas, ou seja, recebendo os nomes de Marruás e Itareru. Segundo Gildásio (herdeiro) a fazenda é basicamente focada na pecuária de corte e criação de ovinos. Os donos não demonstraram interesse que seja desapropriada.
Redação CN * fotos: Raimundo Mascarenhas