Agora, depois de explodido o barril de pólvora no sistema prisional do Maranhão, parece que o poder e setores da mídia descobriram o verdadeiro caos criminoso, violador trágico dos direitos humanos, que é o sistema penitenciário brasileiro.
Apressadamente, os “culpados” também começam a serem apontados: os próprios criminosos, o governo que não constrói presídios, penas exageradas, judiciário deficiente, ausência de defensores públicos, descaso do Ministério Público etc.
Talvez todas as opções tenham sua parcela de culpa, mas penso que o problema é bem mais complexo do que simplesmente apontar culpados. Na verdade, o sistema prisional e sua população encarcerada não deixam de ser o retrato de uma forma de organização social excludente e concentradora da renda nas mãos de uns poucos. Enfim, ou resolvemos o problema da gritante desigualdade social neste país, ou continuaremos a encarcerar pobres, negros, analfabetos, sem profissão, periféricos, delinquentes comuns e “não-sujeitos” de direitos.
Como prova disso, basta uma breve análise do perfil da população carcerária do Estado do Maranhão. Em dezembro de 2012, última estatística divulgada pelo Infopen Estatísica – sistema de informações penitenciárias do Ministério da Justiça[1], por exemplo, aquele Estado apresentava uma população penitenciária de 5.417 detentos e uma média de 82,45 presos por cada 100 mil habitantes. Ora, considerando que a média nacional era de 287,31 presos por cada 100 mil habitantes, significa dizer que o Estado do Maranhão, embora seja um dos mais pobres do país, aponta índices de encarceramento equivalente a países da Europa central e Japão. Sendo assim, é muito provável que os conflitos não sejam contabilizados ou que esteja sendo resolvidos por outras vias.
CAPACIDADE DO SISTEMA
Apesar de contar com 5.417 presos em dezembro de 2012, o sistema prisional do Estado do Maranhão oferecia apenas 2.219 vagas, ou seja, o sistema contava com um excesso de mais da metade dos detentos.
CONDENADOS X PROVISÓRIOS
Segundo dados de dezembro de 2012, o sistema prisional do Maranhão contava com 1.176 presos no sistema de “Polícia Judiciária do Estado (Polícia Civil/SSP)”, ou seja, em delegacias de polícia ou prisões estaduais. O restante, 4.241 detentos, estavam recolhidos no sistema penitenciário e, absurdamente, 2.336 detentos eram presos provisórios à espera de julgamento, ou seja, cumprindo antecipadamente suas penas.
Assim, o sistema penitenciário do Estado do Maranhão abriga mais da metade de presos (55,08%) ainda à espera de julgamento. Acrescentando à estes os que estavam recolhidos em delegacias, pode se concluir que 64,83% dos presos do Estado do Maranhão estão recolhidos e esquecidos no sistema prisional.
ESCOLARIDADE
De acordo com os dados oficiais de dezembro de 2012, a população carcerária do Estado do Maranhão era composta de 83,35% de detentos com escolaridade até o ensino fundamental, ou seja, sem qualificação profissional alguma. De outro lado, apenas 0,18% eram portadores de curso superior.
Esses números falam por si só.
CRIMES COMETIDOS
Com relação aos crimes cometidos, segundo ainda a mesma fonte de pesquisa, 44,23% dos presos cometeram crimes contra o patrimônio (furtaram ou roubaram) e 20,13% cometeram crimes de tráfico, ou seja, mais de 64% dos presos são delinquentes comuns que roubaram, furtaram ou se envolveram com o tráfico.
De outro lado, apenas 14,5% cometeram crimes contra a vida, 4,82% cometeram crimes contra os costumes (estupro, atentado violento ao pudor etc) e 0,15% cometeram crimes contra a administração pública (peculato, concussão e corrupção passiva).
Por fim, curiosamente, 1,13% dos presos violaram a Lei Maria da Penha. Muito mais, como mostram os números, do que os ladrões do dinheiro público.
QUEM OS PRENDEU E QUEM OS MANTÉM PRESOS?
É certo que a responsabilidade de construir presídios é do Poder Executivo e cabe ao Judiciário apenas cuidar da execução da pena.
De outro lado, é certo também que um condenado adquire este status depois de preso em flagrante ou por mandado judicial; depois que um Promotor de Justiça oferece uma Denúncia; depois que o Juiz de Direito condena e, por fim, depois que outro Juiz de Direito passa a ser o Juiz que cuidará da execução daquela pena.
Sendo assim, ao condenar uma pessoa que cometeu crime, o Juiz de Direito está apenas cumprindo com o que lhe determina a lei penal, mas também está deixando de cumprir a lei penal quando mantém centenas de presos provisórios aguardando julgamento, sob o argumento sem justificativa da “garantia da ordem pública”, ou quando a mesma lei lhe autoriza aplicar penas alternativas e opta por pena privativa de liberdade.
Por fim, será que também não viola os tratados internacionais e a Constituição, o Juiz de Direito que envia condenados para um sistema prisional que não comporta mais presos e que não atende às exigências da lei de execuções penais? Ora, se o executivo não oferece as vagas no sistema prisional, por que o judiciário encaminha o condenado para cumprir pena em regime fechado em uma vaga que não existe?
Por fim, o mesmo barril de pólvora que explodiu no Maranhão – pobre para muitos e rico para uns poucos – está prestes a explodir em outros Estados. Quem sabe assim, a sociedade e o Direito Penal Brasileiro passarão a entender que não se resolve problemas causados pela exclusão e desigualdade social através da segregação de delinquentes comuns em prisões-infernos.
Gerivaldo Neiva * Juiz de Direito (Ba), membro da coordenação estadual da Associação Juízes para a Democracia (AJD), membro da Comissão de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Porta-Voz no Brasil do movimento Law Enforcement Against Prohibition – Agentes da Lei Contra a Proibição (Leap-Brasil).