A crise de Pedrinhas não é apenas uma questão do sistema prisional, nem é um caso específico do Sarneyquistão. O que ali ocorreu foi o estouro de uma bolha de pus, pois todo o nosso tecido social está contaminado por uma diversidade de vírus e os seus anticorpos não têm conseguido debelar a septicemia.
Entretanto, mais uma vez o País acha que a solução dos seus problemas passa por cimento e tijolo. Instalado o caos, todo mundo mira na superlotação dos presídios, que segundo recente reportagem do G1, tem um déficit de 200 mil vagas, e os governantes desembestam a anunciar a construção de novas penitenciárias para zerar esse déficit.
Não nego a importância desta meta, mas será que ela esgota todo o dever de casa? Segundo revelou a mesma reportagem, em 1993, a proporção de presos era de 85 para cada 100 mil habitantes e 20 anos depois, há 280 detentos por 100 mil habitantes. E o que acontecerá daqui há vinte anos? Seguiremos então construindo presídios?
O CNJ aponta que cerca de 40% dos encarcerados aguarda julgamento. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), até 2012, o País contava com 550 mil presos. Significa dizer que para aproximadamente 220 mil pessoas o devido processo legal subiu no telhado.
Como o bebê tem a belezura de um Chuk, Judiciário, Legislativo e Executivo ficam transferindo entre si a sua paternidade. Ocorre que Executivo, Legislativo e Judiciário são Poderes Constituídos do Estado e o Estado nada mais é do que a sociedade politicamente organizada. Portanto, o problema é dessa amável senhora a que chamamos de S-O-C-I-E-D-A-D-E.
E enquanto as Instituições diretamente responsáveis pela prevenção e pelo combate ao crime discutem de quem é a culpa pelo estado a que chegamos e qual delas nos dará a salvação, a sociedade segue indiferente a situação daqueles que estão atrás das grades. Não percebe que, quando alguém delinqüiu, é porque ela não o convenceu de que o crime não compensa, ou então, não lhe impôs na medida adequada o temor reverencial aos seus castigos. Em outras palavras, o que está guardado nos presídios é o resultado do mau funcionamento de alguma das engrenagens do Estado.
Não estou aqui vitimizando os nossos presidiários. Se não é correta atitudes de comiseração, muito menos de ódio para com eles, pior ainda é a indiferença. A questão dos direitos humanos precisa ser encarada apenas com racionalidade e não de modo ideologizado como tem sido até aqui, seja pelos ditos progressistas, seja pelos rotulados como reacionários.
Em recente matéria, a Revista Congresso em Foco revelou que, enquanto a população brasileira cresceu em 30% entre 1990 e 2012, o número de encarcerados no mesmo período aumentou em 511%. Ora, assim é fácil explicar a superlotação do sistema penitenciário. E não é preciso discorrer sobre suas conseqüências. Mas é imprescindível lembrar que uma hora e de alguma forma o preso vai voltar as ruas e, aí então, é preciso refletir sobre que tipo de pessoa vai cruzar o portão ou saltar os muros.
A nossa Lei de Execuções Penais é um Diploma que foca na ressocialização do preso, partindo da premissa de que, se não há pena de morte ou prisão perpétua, um dia ele voltará ao convívio social. Mas o que tem feito a sociedade para tornar aquela Lei efetiva? Quantos empresários mantém programas profissionalizantes dentro das cadeias para que, um dia, as mãos que dali saiam estejam aptas ao trabalho em lugar do delito? Quantas experiências realmente eficazes existem para resgatar valores morais dos apenados, a fim de que mais tarde eles não venham a causar outros males a comunidade para a qual retornam? Tais reflexões devem ser feitas sem paixões, mas apenas com racionalidade.
O Brasil tornou cláusula pétrea em sua Constituição a inexistência da pena de morte. Porém, de repente, a rosa dos ventos danou-se e sobre o seu sono dos séculos amanheceu o espetáculo das mortes sem pena. E aí, diante desta Pedrinhas no meio do caminho, resta saber se e quando o País esquecerá este fato na vida de suas retinas cansadas. Cansadas de que?
MARIO LIMA
ADVOGADO E PROCURADOR DO ESTADO DA BAHIA