A imprensa brasileira nunca esteve tão dividida como agora. Sofre duma fissura interna que cria uma divergência entre a necessidade financeira, de subsistência e o desejo compreensível de criticar os grandes erros e escândalos da Copa do Mundo. As organizações, através da propaganda e publicidade tem alimentado esta crise, pois veem no evento uma oportunidade ímpar de atingir seus públicos. E como sempre acontece, as grandes corporações ditam, mesmo que indiretamente, o que deve ser publicado, transmitido, falado. Vale ressaltar que em tempos caóticos e previsões inacabáveis de protestos pelas ruas do país, a mídia passou a selecionar o que deve ser notícia e o que não deve figurar como tal nem mesmo nos jornais locais. Há uma supressão de fatos, seleção de notícias e retenção de informações nas redações dos jornais. Se por um lado existe o desejo de rachar a organização da Copa ao meio com críticas, por outro persiste o respeito aos patrocinadores.
Sussurra-se pelos cantos a irresponsabilidade dos gestores, das empreiteiras, o investimento exorbitante, a cegueira do governo, a intransigência de Jérôme Valcke, as picaretagens da FIFA e da CBF. Mas nada que seja comparado a uma crítica profunda para suscitar a interação popular. As empresas de comunicação tem desempenhado seu papel de acordo com as necessidades financeiras. A dependência faz com que pensem antes nos lucros e nos ganhos de representatividade do que nas conquista de idoneidade. É preciso constatar antes de tudo que nos próximos dias uma tênue linha separará o jornalismo da publicidade. As manchetes serão antes de tudo retratos da passividade. Mas nada será tão passivo quanto a transmissão oficial da FIFA, uma maquiagem eletrônica, pseudosimbologia da brasilidade, descaminhos de nossa essência. Seremos raptados e coagidos a não criticar, ao menos naquele período; a imprensa mais que nós.
Cumpre um dever de consciência da população, especialmente aos que mais se interessam por estudar a imprensa brasileira, defende-la diante do argumento de que assim também é a imprensa internacional. Compreendamos, no entanto, que a imprensa brasileira é viciada, tem suas especificidades no sentido de que tenta habituar o público às suas notícias e não criar notícias que satisfaçam os públicos. A perspectiva de que os protestos invadam as áreas dos estádios e provoque um furor nas equipes de segurança não assusta aos órgão de imprensa responsáveis por transmitir os jogos. O intuito aqui não é pensar numa imprensa destemida e que afronta o que deve ser afrontado. Este modelo talvez mais. Mas se a imprensa não pode ser audaz, intrépida, que ao menos seja verdadeira.
Entrar na festa
Os brasileiros estão convocados desde o anúncio de que o Brasil seria a sede da Copa de 2014. Jingles, comerciais, propagandas na internet e todos os tipos de apelos comunicacionais foram utilizados para referendar este convite. Talvez por isso a grande maioria dos habitantes deste país não se sinta à vontade para criticar a realização do mundial. E entra na festa. Não há motivo para criticar aquilo que a televisão, o rádio, a internet e os jornais têm colocado sobre os pilares de suas existências. Não há assunto que não este. Não haverá nos próximos dias. Com efeito somos resultados do festejo. Se estivemos atônitos e hipnotizados em mundiais realizados noutros países, por que não entraremos nesta psicose agora? Quem garante que todas as forças não estejam subjugadas ao júbilo do futebol quando a bola rolar?
O que certamente diferencia nossa imprensa é também o poder de retardar ou antecipar uma discussão, pautar o que deve ser discutido amanhã e não hoje, ou vice-versa, ao interesse de suas redes, de sua influência, das inquietações e necessidades. O foco é quase sempre deixar agendar. É quase certo que muitos dos escândalos, envolvendo figuras e interesses político-eleitorais serão atirado ao ar, como estão sendo suprimidas agora ao desejo da coletividade e dos ganhos econômicos. Quando a bola parar, os patrocinadores sentirem-se satisfeitos, quando os turistas regressarem aos seus países com suas lembrancinhas, aí a guerra começa. Quem fechou a boca estoura em boataria; e quem pulou no carnaval do oba-oba vai dizer que não sabe de nada. Quem viver verá.
Mailson Ramos é estudante de Relações Públicas e criador do blog Opinião & Contexto.