Getúlio Vargas foi o presidente mais popular do Brasil. E talvez aquele que, melhor do que qualquer outro, soube escolher o momento certo de forjar a própria história pagando o preço com sangue. Trata-se de um personagem complexo até para os historiadores e biógrafos. Talvez por isso Getúlio tenha optado por relatar apenas os últimos dias de vida do presidente que criou as leis trabalhistas e lutou pela nacionalização do petróleo. E esse relato é tão fidedigno do ponto de vista plástico e cenográfico que o filme está mais próximo de ser um documentário do que um drama político.
A veia documentarista do diretor João Jardim é o que se sobressai no filme. Mais do que a atuação tão festejada de Tony Ramos no papel do presidente Getúlio. Jardim é reconhecido internacionalmente por documentários como Lixo Extraordinário, que concorreu ao Oscar de filme estrangeiro em 2011 e venceu festivais importantes. Em Getúlio, até os atores escolhidos tiveram que se parecer com os personagens históricos, num exitoso trabalho de maquiagem, caracterização e interpretação. Tony Ramos, por exemplo, sofreu para carregar uma gordura artificial trajando quase o tempo inteiro paletó e gravata no calor do Rio de Janeiro.
Claro que esse mérito foi facilitado pela escolha do cenário onde praticamente se passa a totalidade do filme: o Catete, antiga residência oficial da Presidência antes da invenção de Brasília pelo sucessor de Getúlio eleito democraticamente, Juscelino Kubitschek. Até o quarto de Getúlio foi utilizado, bem como a mesa onde ocorriam as tensas reuniões com os ministros militares às vésperas de um golpe eminente alimentado por uma campanha violenta de mídia comandada pelo jornalista Carlos Lacerda, interpretado pelo global Alexandre Borges.
Tony Ramos certamente faz a melhor atuação da carreira no cinema. Entretanto, ele não é brilhante porque passa a maior parte do tempo tentando imitar os gestos de Getúlio ao invés de interpretar por completo o personagem. Por isso, há um tom superficial na atuação. Tony também não é ajudado pela edição e montagem, que não dão ao filme um ritmo de drama político que a intensidade do roteiro exige. O que prevalece é a lentidão de um documentário tradicional, que faz tudo certinho para não correr o risco de errar. Nesse aspecto, Getúlio peca pela falta de ousadia.
O filme de João Jardim não é o que prometia ser, mas merece ser visto. É um filme importante do ponto de vista histórico, que prende o expectador com um roteiro focado nos acontecimentos reais daquele agosto de 1954. Além disso, provoca reflexões sobre o momento político atual. É impossível não traçar um paralelo com o mensalão. Getúlio, como o ex-presidente Lula, conviveu diretamente com aliados de confiança mergulhados em graves escândalos de corrupção, mas fingia não saber de nada. Pelo contrário, se dizia, como Lula, vítima de uma imprensa manipuladora. Além disso, os dois ex-presidentes, o morto e o vivo, gozaram ou gozam de grande popularidade e, conscientes disso, fundamentaram discursos, defesas e contra-ataques conclamando a massa. Mesmo que, muitas vezes, de forma contraditória.