A chamada Primavera da Igreja que despertou a atenção de todos, desde que o Cardeal Bergoglio apareceu eleito Papa, na sacada do Vaticano, sem a capa pomposa dos imperadores, parece não ter chegado ainda em muitas paróquias ao redor do globo, onde a prática continua a mais antiga e onde padres e bispos praticam a censura, como se quisessem impedir que o povo saiba dos pecados da instituição milenar. São situações que existem desde a Idade Média, com a diferença de que agora são anunciadas aos quatro ventos pelos meios potentes de comunicação, alguns dos quais ligados à própria religião católica.
Sabe-se que os primeiros cristãos apelidavam a Igreja de casta meretriz, justamente para lembrar sempre que ela é santa, mas também pecadora. Nos últimos tempos, porém, cresceu uma certa tendência a se enfatizar apenas a santidade da Igreja e todo aquele que ousa alertar para as contradições do clero e dos leigos é logo hostilizado e colocado à parte por aqueles que se acreditam mais fieis à palavra de Deus.
Dessa forma, o que permite às autoridades eclesiásticas tentar calar a boca dos críticos mais coerentes é o fato de uma multidão de leigos se submeter aos caprichos de lideranças religiosas que pensam que são guardiões das verdades da fé e por isso podem julgar e censurar à vontade quem pensa, fala e age de forma diferente deles. Já dizia inclusive o brilhante Pe. José Comblin que os religiosos sempre lêem o Evangelho a favor deles mesmos e realmente pergunte-se você, caro leitor, se alguma vez já ouviu, em alguma pregação religiosa, uma reflexão sincera sobre a Terceira Carta do Apóstolo João, em que ele se queixa de um líder da Igreja que se sente superior e não acolhe os irmãos. (3 Jo 1,9-10).
Muito embora este episódio demonstre claramente que a imperfeição e a contradição são marcas indeléveis do ser humano, esteja ele em que função estiver, existe uma tendência tola da massa ingênua, no sentido de acreditar que os clérigos estão sempre com a razão, quando se trata de interpretar a vontade de Deus e mesmo em outras situações da vida em sociedade. Como, em tese, os religiosos agem em nome de Deus, todos costumam abaixar a cabeça para eles, que se servem das energias e dos recursos das comunidades para fortalecer sua influência sobre o povo, sem muitas vezes contribuir verdadeiramente para o desenvolvimento humano e social das pessoas. Muitos deles parecem mais ocupados em garantir o status de sua religião na sociedade do que.em promover uma autêntica reflexão sobre tudo. Enquanto Jesus dizia “se queres…”, eles dizem “você tem que…” e assim, impondo sutilmente e ouvindo muito pouco, ficam cercados daqueles que sempre lhes dão razão e empurram para longe os críticos que poderiam acolher, depois se queixam, dizendo que os jovens estão rebeldes e não querem nada.
Se é verdade que às vezes há críticas mal formuladas e jovens malcriados, é verdade também que há críticos ajuizados e jovens criativos que terminam incompreendidos e pouco aproveitados, quando poderiam fazer tanto bem à Igreja e às comunidades, interpretando a realidade eclesial e sociopolítica, como ela é, mas os mais conservadores não têm interesse em possibilitar reflexões nessa linha.
Felizmente, entre os líderes religiosos, bons exemplos também existem e todos os conhecem. Particularmente a região do semiárido teve e tem ainda alguns padres, freiras e leigos que impulsionam as pessoas a iluminar a vida cotidiana com a fé, permitindo a liberdade de expressão típica do Evangelho, em que Jesus se torna odiado, justamente por combater os abusos da religião daqueles que faziam tudo o que a tradição mandava, mas não acolhiam com amor quem pensava diferente deles e quem mais precisava.
A propósito, contam os vaticanistas que, quando terminou este último Conclave, ao recusar a capa que os papas vestiam, há séculos, antes de aparecerem eleitos, na janela, Francisco disse: “O Carnaval acabou” e ao perguntarem se não era melhor chamá-lo de Francisco I, ele respondeu: “Números são coisas de imperador.”
Com isso, fica claro que todos nós necessitamos crescer em simplicidade e temos, cada um de nós, nossos defeitos e contradições, entretanto, presenciar, neste momento ímpar da Igreja, autoridades religiosas locais reivindicando ainda para si o direito de pré-julgar e cassar a palavra dos que falam com liberdade, é muito preocupante e até risível, porque estão agindo contra o que seu simpático líder Francisco faz, sem pedir segredo e com ampla cobertura da mídia internacional, de forma que qualquer um poderia dizer, “mas o Papa quebra protocolos e vocês agem com rigor em coisas tão banais.”
Toda essa dificuldade de implantar aqui embaixo o estilo Francisco decorre, portanto, da pouca formação e informação dos leigos, que sustentam as paróquias e comunidades, de maneira que recomendo aos leitores a leitura frequente da revista jesuíta Dom Total, em sua sessão Religião, disponível na Internet, que traz diariamente reflexões importantes sobre a vida da Igreja, sem querer tapar o sol com a peneira. Mesmo que alguns não queiram, o sol sempre vai brilhar e já dizia Jesus que não se acende uma lâmpada para colocá-la embaixo da mesa.