Prezado Sir. Chuchill, espero não perturbar um daqueles seus momentos que lhe distinguem do Gal. Montgomer. Mas de antemão lhe peço minhas desculpas pela insolência de vir lhe trazer preocupações tão tolas, afinal o Sr. Mesmo já nos dissera que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as outras que se tem experimentado. Sinceramente não creio merecer uma resposta de sua Excelência, mas se acaso decidir fazê-lo, rogo que me poupe de sua verbe e assim não me rememore o que dissera De Gaulle sobre o Brasil.
Por cá, acabamos mais uma etapa do processo eleitoral e, talvez o Senhor nem sequer sonhe, que em junho do ano passado, uma multidão de pessoas ocupou as ruas em protestos os mais variados possíveis. Muito se cogitou sobre os reflexos no atual pleito de toda aquela inquietação. Porém, a despeito de todos os protestos e das indicações mais recentes de que 75% da população estava desejosa de mudanças, quando foram abertas as urnas não foi exatamente como se especulava. As personalidades que mais encarnaram tudo aquilo que levou as massas as ruas sagraram-se vitoriosas, elas próprias ou gente do seu sangue ou de sua laia .
Entre os seus ditos, encontro o seguinte: “Política é quase tão excitante quanto à guerra, e quase tão perigosa. Na guerra você é morto uma vez, mas, em política, várias vezes”. De fato, ao longo de nossa história política, são incontáveis as vezes que foram mortos os verdadeiros sonhos de justiça social, governança responsável e honesta. E, passada a frustração, como uma Fenix, o povo recobra suas energias e retoma as ruas em novas jornadas. Aí então aqueles saquaremas de sempre fingem-se acuados e fazem-se até de mortos, para depois voltarem a carga e reconstruírem seus castelos. Não me tome por mais um Velho do Restelo, porém por tudo quanto já fizemos e avançamos, não posso deixar de repetir meu patrício Caetano Veloso (aquele mesmo que morou aí em Londres): alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial.
Paradoxalmente, ao passo em que aperfeiçoamos nossas instituições republicanas e, em tese, aprofundamos nossa democracia, cada eleição que se sucede vem com uma carga maior de despolitização. Sei que isto é conseqüência do nosso insípido quadro partidário e da nossa cultura patriarcal, que nos faz colocar nas mãos de uns salvadores da Pátria aquilo que deveria ser a encarnação do empoderamento popular.
Em tal contexto, em lugar de se sobressaírem nas campanhas os políticos com projetos de Governo, formulados a partir de suas visões de Estado, de País, de mercado e de sociedade, o protagonismo a cada nova eleição fica a cargo dos marketeiros. E a coisa assume tal desfaçatez que eles sequer se lembram de que o Brasil possui um Código de Defesa do Consumidor, que proíbe a propaganda enganosa.
Mas de alguma forma, pelo menos do ponto de vista bélico, esses sujeitos estão certos, afinal por cá política e guerra é a mesma coisa. E como disse Ésquilo, na guerra a primeira vítima é a verdade.
E “nunca antes na história deste País” essa frase fez tanto sentido.Aqui o trabalho dos marqueteiros sequer foi o de dourar pílulas.Sem nenhuma cerimônia o mais festejado deles proclamava que sua estratégia era, e por certo ainda o será, desconstruir os adversários. E nesta senda seguimos positivando o que vaticinara o saudoso Dr. Ulysses: pior que a atual Legislatura só a próxima.
Enquanto cai o nível intelectual e moral da ação política, os custos para obter o mandato eletivo vai ficando cada vez mais alto. E quando se esperava da população uma atitude de repúdio aos gastadores, o que vemos é uma silenciosa conivência com o predomínio do poder econômico, com o eleitor, pela venda do seu voto, reproduzindo a deturpação do é dando que se recebe.
E diante dessa mercantilizarão das práticas políticas, peço-lhe licença mais uma vez para evocar suas frases, naturalmente que em contexto avessos aquele em que os Pilotos de sua RAF derrotaram a Luftwaffe: nunca tanto deveram tanto a tão poucos. Ali o Senhor falou de uma dívida de bravura pela salvação da Pátria, mas aqui eu falo de uns poucos que se assenhoram do Estado e mandam a conta para toda a população. Logo, sua célebre frase é aqui reescrita ficando assim: nunca tão poucos endividaram tantos em tanto.
Como por certo estou perturbando sua rodada de poker, ou talvez o Sr. Já queira acender um novo charuto ou reabastecer seu uísque, que ninguém é de ferro, é chegada a hora de me despedir. Pois bem, Sir. Churchill, se a democracia é a pior das formas de governo, excetuando-se as demais, creio que o Senhor com sua vocação de grande estadista poderia interceder de algum modo para que a democracia brasileira não abuse tanto da prerrogativa de piorar, a fim de que não corra o risco da população acreditar de novo que existe coisa melhor do que ela.
Com elevada estima
MARIO LIMA
ADVOGADO E PROCURADOR DO ESTADO DA BAHIA