Nos setenta e três anos da CLT, a lei de terceirização aprovada pela Câmara dos Deputados (PL 4.330/2004 com as inúmeras emendas e acréscimos) se mostra como o maior ataque à proteção trabalhista na história brasileira. A pretexto de regulamentar a corriqueira prática empresarial de terceirizar mão de obra, a proposta introduz no sistema trabalhista o padrão de duzentos anos atrás das relações de trabalho: a “marchandage”.
O que se diz como a “moderna” gestão da empresa é a velha marchandage, que era definida na França no Século XIX quando um mercador alugava seus trabalhadores para as empresas em troca de lucro. Na terceirização permitida para todos os setores da empresa, o empresário não precisará mais ter empregados, bastando alugar todos os seus trabalhadores perante um outro empresário (também vulgarmente chamado de “gato”) numa “terceirização” total. Ainda pior ocorreu no final da votação: foi incluído o permissivo para que um trabalhador de uma empresa seja agora contratado como “empresário individual”, logicamente sem nenhum direito trabalhista.
Admitir esse “aluguel” de pessoas colide com toda a história do Direito do Trabalho, uma vez que há quase cem anos se proclamou que “o trabalho não pode ser tratado como mercadoria” (art. 427 do Tratado de Versalhes de 1919 e texto da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948). Não sendo mera mercadoria, não pode ser o trabalhador alugado na atividade principal e regular da empresa, embora em muitas terceirizações haja apenas “locação de mão de obra” da prestadora (empresa empregadora) em favor da tomadora (empresa na qual trabalha o terceirizado).
Mas se pode perguntar qual o problema em “alugar pessoas” para sua atividade empresarial permanente e principal? Para o empresário não há problemas, mas sim soluções, pois se poderá até conseguir reduzir custos, mesmo que tenha que pagar o lucro do “Gato”. No outro lado, o trabalhador não mais se vincula em termos de categoria econômica à empresa que trabalha, perdendo os direitos ajustados pelos sindicatos, em clara medida de enfraquecimento dos sindicatos. No caso da conversão do antigo empregado em “empresa individual”, há exclusão total dos direitos trabalhistas e da proteção social.
Em breve, será perceptível que as empresas não terão mais empregados e sim apenas colaboradores terceirizados. Ficará claro, por exemplo, que mesmo trabalhando em um banco nas típicas atividades de bancário, o trabalhador não terá os direitos especiais dos bancários ou até que os frentistas de postos de gasolina serão doravante empresários individuais. Diante desta precarização, as lutas trabalhistas vão ressurgir na rua combatendo esta falsa regulamentação da terceirização. Relembrando o passado, a pergunta se impõe: Será preciso um novo primeiro de maio para lutar contra esta precarização dos direitos do trabalhador?
Murilo Oliveira – Juiz do Trabalho e Professor da UFBA