No país do imediatismo as retinas se embaçam quando o foco foge do evento mais próximo. Também os rostos se desfiguram na tormenta da crise política e econômica. O apelo ao heroísmo não é mais do que um grito no breu das necessidades de um país que amarga a ausências de figuras representativas, com cargo e poder para organizar um chamamento aos eixos. O Brasil precisa ter as rédeas sob domínio, entretanto, onde sobram cordas frouxas nas mãos de figuras infames da política, falta um sujeito capaz de pontificar entre oposição e governo em busca de melhorias. Procura-se um salvador da pátria.
Este salvador da pátria não teria obrigatoriamente a figura de um herói institucionalizado, muito menos aderiria a projetos partidários, vinculado a frentes com interesses hegemônicos; não poderia surgir das bancadas formais da Câmara dos Deputados, onde desavergonhadamente se defende projetos em prol de setores e não da sociedade por inteiro. Não seria ele Eduardo Cunha e nenhum dos seus sectários, sobretudo daqueles que o adulam dia após dia. Não poderia ser um salvador da pátria com o discurso do conchavo, da negociação espúria e dos acertos que somente beneficiam a classe política.
Na oposição ao governo de Dilma Rousseff poderia se esperar ao menos um homem de ideias, um proponente. As únicas propostas que vingaram de Aécio Neves e seus asseclas foi um impeachment ou a renúncia da presidente. Foi a primeira vez na história da política brasileira em que a oposição iniciou seus trabalhos querendo derrubar um governo. Não houve discussão sobre a condição econômica do país, não existiu integração entre as forças que governam e aquelas que as fiscalizam. Aliás, jamais houve fiscalização. O governo, se foi omisso em alguma situação, o fez por equívoco próprio e por não ter uma oposição capaz de apontar os erros com lisura.
Não é possível esperar um salvador da pátria quando o diálogo está mortificado pelo conflito ideológico. Isso é muito mais grave do que qualquer tensão. O Brasil está aos cacos não apenas por uma questão econômica, mas pela crise política. E este conflito gerado entre as principais forças da República não foi dirimido e não será sem uma reflexão dialógica. O judiciário parece trabalhar em função de si próprio, bem como o legislativo; o executivo de maneira atordoada ratifica um poder que nele inexiste. Deixou de existir autonomia no governo quando forças extremamente conservadoras e hegemônicas ditaram a construção de uma nova República: aquela em que o poder executivo não executa nada.
Enquanto as retinas desfocadas anteveem apenas um palmo além do nariz nas discussões mais banais não se sai com resultados dignos. O Brasil sofre pela ojeriza coletiva, pela replicação do ódio, pela hipérbole da inglória nacional. Matamo-nos no vão das discussões ideológicas que não nos fazem afastar um mísero centímetro do espectro da crise. Não se pode anuir à linha de raciocínio do presidente da Câmara; não se pode acreditar na boa vontade do presidente do Senado; são afanosos os suspiros do governo que não encontrou em si a resposta para o diálogo. O Brasil está parando aos poucos por decisões de um juiz federal de primeira instância. E poucas pessoas perceberam isso.
O brasileiro precisa pensar no país que está além do embaçado de sua retina. Ele não será o Brasil dirigido por uma oposição após a queda deste governo; não será o país dos sonhos simplesmente porque trocaram o presidente. Precisamos dizer algumas verdades aos outros e a nós mesmos: com o governo que aí está ou com qualquer outro, seja quem for o mandatário, os problemas continuarão os mesmos. É preciso dialogar, fustigar a corrupção em todos os setores da sociedade e desvincular do pensamento político o favorecimento exclusivo dos partidos. Vamos mal e sabemos. Não é aceitável que o discurso dissimulado e as decisões de alguns políticos continue marcando a ferro e fogo a existência dos brasileiros. Procura-se um salvador da pátria.
Mailson Ramos é relações públicas e criador do site Nossa Política.