Diz o educador Mário Sérgio Cortella que religião não é coisa de gente tonta, é coisa de gente, mas há gente que é tonta, com ou sem religião. Partindo, portanto, de um ponto de vista bem humorado, podemos chegar a refletir sobre a prática religiosa, especialmente no semiárido.
Uma vez por semana, professores e articuladores das unidades escolares se dedicam à famosa Atividade Complementar, conhecida como AC – ocasião em que suas práticas pedagógicas são analisadas e criticadas, sem nenhum perigo de alguém se sentir ofendido e tentar excluir aqueles que fazem observações desafiadoras sobre o processo de ensino e aprendizagem, em sua comunidade escolar.
É precisamente isto o que parece fazer muita falta nas igrejas que congregam a quase totalidade da população de nossos municípios, e é sempre bom lembrar que, embora nas igrejas os participantes sejam chamados de fiéis e na sociedade recebam o nome de cidadãos, são rigorosamente as mesmas pessoas. São sujeitos de direitos individuais e coletivos e esses direitos muitas vezes terminam sendo mal acessados ou limitados pela falta de reflexão da prática religiosa, que pretende conter o direito ao livre pensamento e à liberdade de expressão dos fiéis-cidadãos.
A laicidade da sociedade, no semiárido, muitas vezes tem sido sutilmente ou abertamente combatida pela religião, como se fosse algo prejudicial, e a democracia que algumas igrejas incentivam seus fieis a buscarem na sociedade está quase completamente ausente no interior destas mesmas instituições religiosas.
A democracia incentivada no meio religioso costuma ser uma democracia da porta para fora, uma intolerância dissimulada que não chega a se exibir completamente, mas se faz sentir internamente, na medida em que aqueles que, dentro de suas igrejas, começam a abrir os olhos dos demais para a amplitude da realidade social são quase que imediatamente afastados do processo por seus líderes e até por seus pares, que se sentem ameaçados em sua zona de conforto. Está bem para eles, deve estar bom para todos.
Há pessoas que têm em suas igrejas a única oportunidade de exercer algum papel social que considera importante em sua vida e são estas as que reagem com maior intolerância a qualquer tentativa de relativizar o sentido da religião. Não conseguem perceber que a religião não pode ser um fim em si mesma, nem distinguir aquela comunidade que Jesus propõe da instituição humana e falível que a humanidade criou, e a criou bem mais de acordo com as práticas judaicas e imperiais do que com a mensagem de Cristo.
O mito da caverna de Platão serve bem para exemplificar o que acontece nestes casos. As pessoas estão tão mal acostumadas a não agir com liberdade e criticidade, em seu fazer religioso que, quando um dos membros da comunidade experimenta o olhar de fora, à luz da reflexão crítica, e tenta reproduzi-la, no meio obscuro da conformidade religiosa, aqueles mais carentes da religião como refúgio reagem veementemente, como aquela criança de quem se retira o doce. Reagem no sentido de expurgar qualquer visão nova e para isto quase sempre lançam mão de uma interpretação literal da Bíblia e de tradições que muitas vezes já foram revisadas por líderes mais maduros daquela própria religião, mas os mais conservadores não leem, não sabem, não aceitam.
Todo membro de igreja, qualquer que seja, quando consegue sair de uma visão sectária e entender que a comunidade humana é maior do que sua comunidade religiosa, quando começa a questionar a tendência castradora de sua instituição, todo ele tende a ser mal compreendido e marginalizado.
Está faltando por parte das multidões que enchem os templos de todas as denominações – as quais povoam desde as pequenas comunidades até às periferias das cidades maiores – discernimento e coragem. Discernimento para compreender que a mensagem é sagrada, mas sua prática é sujeita à imperfeição e às manobras humanas. Coragem para propor a transformação, sem precisar destratar ninguém, sem fazer barulho por fazer, sem forçar os mais ingênuos a mudar de opinião dia para a noite.
No dia em que o povo simples compreender que as coisas boas que se descobrem na mensagem religiosa não são propriedades de tradição nenhuma e que Deus permite que se tenha acesso a tudo isso sem precisar se submeter aos caprichos institucionais, as lideranças religiosos mais rígidas se verão obrigadas a revisar suas práticas pouco democráticas, exigentes para com a realidade externa e contraditórias em sua realidade interna, onde não raro se encontra a intolerância e a indiferença para com todos aqueles que procuram oferecer um novo ponto de vista sobre tudo.
Isto tudo é muito surpreendente porque as igrejas cristãs conhecem melhor que ninguém a postura de Jesus diante da religiosidade rígida e fingida. Tiago, em sua Carta (Tg 1,27), por exemplo, já advertia que religião verdadeira é solidariedade para com os mais frágeis do sistema social e precaução quanto aos venenos deste mundo, donde se conclui que a religião não refletida é um destes males do qual as pessoas precisam se precaver, mas são tão simples e tão carentes, tão pouco críticas, que se agarram à religião como se isto fosse panaceia indiscutível, sem perceber que a fé autêntica serve para fazer a pessoa ver com os próprios olhos e caminhar com suas próprias pernas. A maioria, porém, foi acostumada a preferir muletas e daí nasce toda sorte de exploração religiosa e de limitação ao amadurecimento da democracia no semiárido.