Na última quinta feira,30,o Juiz de Direito da Comarca de Conceição do Coité no Estado da Bahia Gerivaldo Neiva tomou posse como conselheiro no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), com sede em Brasília.
Dentre as competências do Conselho, destacam-se a propositura de diretrizes nacionais da política criminal e inspeção e fiscalização de estabelecimento penais.
Em seu discurso de posse, Gerivaldo questionou: por que um Juiz de Direito quase em fim de carreira, lá do sertão do Bahia, é lembrado para integrar um conselho Nacional? Para ele, um resultado muito melhor do que qualquer diploma ou láurea, é ser reconhecido e chamado para ajudar em uma das questões que mais lhe toca: a política penitenciária brasileira.
Esse interesse pela área, ao longo dos vinte e cinco anos como Magistrado no interior da Bahia, levou-o a perceber o absurdo que se transformou o sistema penitenciário brasileiro.
Para ele, situação política no país chegou a um ponto que a Constituição Federal se tornou a grande arma de respeito às garantias fundamentais – “penso que nunca antes na história desse país foi tão importante termos uma Constituição”
“Não há como se calar, mesmo ciente dos limites do Conselho e que a superação de tanta maldade não é tarefa de uma pessoa, quero ser esta voz inquietante e que faça ecoar também as vozes inquietantes de milhares de juízes desse país que se angustiam diariamente quando não lhes restam opção senão condenar pessoas para agravar este quadro dantesco” – afirmou ao fim de seu discurso.
Confira o discurso na íntegra
Senhor Ministro da Justiça
Senhor Presidente do CNPCP
Colegas Conselheiros e Conselheiras
Autoridades aqui presentes
Senhoras e Senhores
Por que eu?
Esta foi a primeira indagação que me veio à mente ao receber o convite do presidente Luiz Bressane para integrar o CNPCP. Por que um Juiz de Direito quase em fim de carreira, lá do sertão do Bahia, é lembrado para integrar um conselho Nacional?
Evidente que não obtive a resposta definitiva, mas quero acreditar que esta lembrança é o resultado de uma vida dedicada à causa dos direitos humanos e da luta pela igualdade. É o resultado de uma vida de 25 anos dedicados à magistratura da Bahia e sempre intransigente na defesa dos direitos humanos, na ética, na responsabilidade e, sobretudo, no respeito às pessoas com quem lido diariamente, sejam advogados, membros do Ministério Público, policiais, partes, acusados, condenados e todos os que me procuram em busca de uma simples informação ou para garantia de seu direito.
Assim, sem demagogia, melhor do que placas, diplomas ou láureas, o reconhecimento que sempre almejei foi exatamente este: ser chamado ao trabalho e poder contribuir de alguma forma com a política criminal e penitenciária de meu país. Neste sentido, estou aqui e pronto para somar e contribuir para que o CNPCP cumpra cada vez mais seu papel e dê as respostas que o Brasil espera de nós.
Vencida essa fase, passei a me questionar de que forma poderia contribuir neste sentido, ou seja, de que forma um magistrado de primeira instância poderia contribuir na concretização das incumbências do CNPCP, previstas no artigo 64, da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84). Assim, passei a me questionar de que forma, sobretudo, poderia contribuir na proposição de uma “política criminal quanto à prevenção do delito, administração da Justiça Criminal e execução das penas e das medidas de segurança”, conforme previsto no inciso primeiro do referido artigo. Enfim, de que forma poderia contribuir para fazer valer a Constituição da República e a Lei de Execução Penal nas centenas de presídios deste país em que são desrespeitados os direitos mais básicos das pessoas privadas de liberdade, tornando presos em não-sujeitos de direitos, como se não fossem pessoas humanas a quem incumbe o Estado Democrático de Direito garantir sua cidadania e dignidade.
Evidente que também não tenho a resposta pronta para esta indagação, pois tenho como certo que isto não é tarefa de uma pessoa, mas o resultado do esforço coletivo, do estudo, da discussão e do debate intenso sobre o sistema de justiça criminal e penitenciário deste país.
De outro lado, meus 25 anos de lida com este sistema, mesmo sabendo as limitações de um Conselho nos moldes do CNPCP, obrigam-me a não me calar diante do absurdo que se transformou o sistema penitenciário brasileiro, conforme detalhado no último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, publicado recentemente pelo Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça. Não é possível se calar, por exemplo, diante de um sistema que abriga 607 mil presos, o 4º do mundo, e que tem um déficit de 231 mil presos, que representa uma taxa de ocupação de 161%, sendo que existe unidade da federação com taxa de ocupação de 265%. Não é possível se calar diante de um sistema que teve um crescimento vertiginoso de 575% em 20 anos e que mantém uma taxa de mais de 40% de presos sem condenação, cumprindo antecipadamente uma suposta pena, sendo que existe unidade da federação com taxa de 73% de presos sem condenação.
Por fim, diante desse horror, como não há como se calar, mesmo ciente dos limites do Conselho e que a superação de tanta maldade não é tarefa de uma pessoa, quero ser esta voz inquietante e que faça ecoar também as vozes inquietantes de milhares de juízes desse país que se angustiam diariamente quando não lhes restam opção senão condenar pessoas para agravar este quadro dantesco. Da mesma forma, também fazer ecoar as vozes inquietantes de todos que lidam diariamente com o sistema de justiça criminal, desde o policial militar que atua na linha de frente, ao agente penitenciário que sofre diretamente com a precariedade do sistema penitenciário. Por fim, fazer ecoar a voz sofrida dos presos, seus familiares, amigos e todos que sofrem ao seu lado, a exemplo de tantas associações de amigos e parentes de pessoas privadas da liberdade, Pastoral Carcerária, dentre tantas outras.
Como disse no início, sinto-me como se chamado ao trabalho e estou pronto para somar. Creio, por fim, que a conjuntura é por demais complexa com relação aos direitos humanos e garantias constitucionais e penso que nunca antes na história desse país foi tão importante termos uma Constituição e é dever de todos nós defende-la sem tréguas e com todas as armas que ela mesma permite.
Muito obrigado.
Informações do Site Justificando