Sim, o projeto é do ano de 2004, contando já mais de uma década no nosso Parlamento. Afinal, do que trata esse projeto? Trata da possibilidade de as empresas contratarem empresas para execução de seus serviços. Basicamente, é isso. As empresas passam a poder contratar outras empresas, ao invés de contratarem empregados.
Uma emissora de televisão não precisaria ter empregados apresentadores de seus telejornais ou programas de entretenimento. Diferentemente, contrataria uma empresa e esta alocaria pessoas que fariam as apresentações dos programas. Uma loja de confecções não precisaria ter empregados vendedores de calças, camisas, shorts, blusas ou vestidos, pois bastaria contratar uma empresa e esta designaria pessoas para fazerem as vendas na loja da empresa contratante.
Dizem que a terceirização precisa ser regulamentada porquanto praticada aqui e no mundo todo, porém, aqui sem regulamentação. Vejamos. Diz o artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho que empregador é quem admite (permite que trabalhe), assalaria (paga, direta ou indiretamente) e dirige (manda para que outro obedeça) a prestação de serviços. Já o artigo 3º também da CLT define como empregado a pessoa que prestar serviço não eventual (habitual, portanto), sob dependência (subordinação) e mediante salário. O encontro desses dois dispositivos conduz à necessária conclusão de que a terceirização é proibida no Brasil. Quem quiser trabalhar para quem explora atividade produtiva terá que manter contrato de emprego. Quem quiser ter na sua atividade produtiva mão de obra subordinada terá que contratar empregado pelo regime da CLT.
Como tudo, absolutamente tudo, não é absoluto, chegou-se à conclusão de que alguma dinâmica é necessária à atividade produtiva e não compõe, a rigor, essa atividade. São atuações paralelas ou acessórias que ganharam o apelido de atividade-meio em contraposição ao objetivo final de cada empreendimento que tomou o nome de atividade-fim. Há vários exemplos visíveis disso: instituições de ensino se destinam à educação e formação curricular das pessoas (atividade-fim), mas necessitam de ambiente limpo e asseado (atividade-meio); bancos se destinam a operações financeiras (atividade-fim), mas necessitam de segurança (atividade-meio).
Pois bem, o projeto de lei em discussão pretende encerrar todo debate derredor da natureza da atividade, de modo que pouco ou nada importaria se atividade-fim ou atividade-meio, pois permitida a terceirização de qualquer serviço. Em resumo, o trabalhador poderá estar empenhado em determinado empreendimento, mas seu empregador não ter a mínima responsabilidade com esse empreendimento.
Dizem que as empresas terão maior mobilidade na reposição de mão de obra. Isso conduz à maior rotatividade, o que gera insegurança.
Dizem que os trabalhadores não sofrerão qualquer prejuízo porque as empresas “contratantes” (as tomadoras do serviço) serão obrigadas a fiscalizar as contratadas no que toca às suas obrigações trabalhistas, inclusive porque o projeto prevê retenção de 4% do valor do contrato para cobrir despesas com pessoal em caso de não cumprimento pelas prestadoras de serviço. Estranho! Se as empresas ficam com o encargo de fiscalizar as prestadoras que ganho têm? O tempo mais livre para o desenvolvimento de atividades específicas será tomado nessa fiscalização! Ou contratarão outras empresas que lhes prestem o serviço (atividade-meio) de fiscalizar as demais prestadoras?
O projeto avança – pra pior – pois permite às empresas prestadoras que subcontratem a execução do serviço, aí então criando a possibilidade da quarteirização ou até “quinteirização” ou mais pleonasmos que a inventiva possa conceber a partir de tantas e quantas subcontratações possam ocorrer.
O projeto mereceria aplausos se a terceirização até aqui praticada fosse algo exitoso, mas não é. A experiência revela que na imensa maioria dos casos, a terceirização, tolerada em atividade-meio, tem sido danosa aos interesses dos trabalhadores e vem acarretando prejuízo às empresas que atuam com escrúpulo e são obrigadas a assumir a dívida deixada pela contratada. Na prática são empresas com sócios falsos (os chamados “laranjas”) e sem patrimônio capaz de responder pelas dívidas que criam. Nas mais das vezes o que se constata são descumprimentos de recolhimentos fundiários e previdenciários.
O projeto pretende que as empresas contratantes (as tomadoras dos serviços) respondam apenas subsidiariamente e que ainda possam objetar com o argumento da fiscalização: uma vez que fiscalizaram não respondem! O trabalhador não escolhe contratante nem contratado, de modo que não é justo que fique à mercê da ocorrência de fiscalização.
O projeto aponta ainda para uma certa anistia “das penalidades não compatíveis com esta Lei, impostas com base na legislação anterior” (art. 17, § 2º). No projeto o modo tímido de dizer a ambiciosa pretensão foi o de referir que “as partes” ficam anistiadas das penas mencionadas, mas os trabalhadores não descumprem encargos trabalhistas, de modo que a verdadeira intenção foi a de absolver às empresas. Bem, se esse perdão legal vingar as empresas nada devem pelo que já passou e nada deverão pelo que está por vir. Os trabalhadores estarão à própria sorte.
Agenor Calazans da Silva Filho – Juiz do Trabalho