Conheci um vereador lá da Cidade Baixa, que era analfabeto de pai, mãe e vizinho, pois dizia-se que era filho do espanhol que tinha uma panificadora, que também vendia material de construção, e no tempo certo: nos meses de setembro a novembro, comercializava arraia e linha temperada; mês de junho o cliente podia também adquirir a preços módicos balões cariocas, balão-andorinha e três pontas. Isso mostra que já lá pelos idos dos anos 1960 o galego já tinha noção de market (supermercado) como dizem os americanos que inventaram este tipo de “feira” num local fechado, limpo e com ar-condicionado. Coisa que somente chegou à Bahia muito tempo depois.
Nosso vereador que não vou dar o nome, mas que os meninos – pois meninos não prestam, pois menino joga o defeito na cara, pois menino é cruel – chamavam de Galego e que cresceu e se acostumou; e se, quando garoto partia para a porrada no pórtico do Colégio Luiz Tarquínio (o velho colégio em estilo neoclássico que foi ao chão e deu lugar a um conjunto de salas sem personalidade, perfil e denominação arquitetônica), já adulto acenava naturalmente e como o pai já havia morrido e a língua do povo da Cidade Baixa é terrível, dizia-se que ele aceitara o espanhol como verdadeiro pai, tanto que seu primeiro emprego foi como estafeta, coisa que o espanha arranjou, bem como depois o colocou como caixa no armazém-padaria e posteriormente conseguiu uma boquinha na Câmara dos Vereadores como faz-tudo de um vereador ligado ao velho PTB.
Na lida dentro da câmara ele que era analfabeto, mas não era um beócio, foi pegando as manhas, o jeito dos políticos e lá para as tantas entrou numa legenda e como era bem quisto na Zona Itapagipana conseguiu se eleger ao final do segundo tempo, passando raspando e contando voto por voto. Dizem que a mulher dele não votara em seu nome e sim, veja como é o destino, num vereador que a boca povo no Curuzu dizia, pasme, era filho de uma mãe-de-santo com um espanhol do ramo de material de construção com casa comercial bem situada no Aquidabã.
Os dois não se bicavam e chegaram às vias (um tapa no braço de um e uma dedada por trás dada pelo outro à traição) e começaram a se ofender. Veja que embora analfabeto nosso vereador, no entanto, aprendera facilmente as regras de convivência, as normas e regas da casa e principalmente os jargões institucionais. E dava gosto vê-lo vociferar com o dedo na cara do adversário:
– O edil em questão é um crápula!
O outro respondia à altura, e ele:
– Vossa excelência é uma excrescência!
E vai a discussão com todos os palavrões e ofensas precedidas do “vossa excelência”. E a discussão acabou quando por ato falho nosso vereador em questão “ofendeu” o outro.
– Vê-se que Vossa Excelência é um filho da….
No que o outro responde:
Vossa Excelência também é “galego”. E, excelência, data vênia, um chifrudo, pode perguntar à sua mulher que votou em mim.
A partir daí ficou difícil apartar. Bem parecido com o que acaba de acontecer no Comitê (Comissão? Deu preguiça confirmar) de Ética da Câmara dos Deputados. “A gente merecemos”, como me diz meu fornecedor de picolé Capelinha.
Jolivaldo Freitas * Escritor e Jornalista