Dados estatísticos e mutirões de conciliação promovidos por diversos Tribunais de Justiça, ratificam que as seguradoras de saúde se encontram entre os réus com maior demanda judicial. Diversos são os objetos das ações, sendo que as merecedoras de maior destaque, dizem respeito às negativas para a realização de procedimentos médicos e liberação de medicações, as quais iremos tratar nessas breves considerações sobre o tema.
A grande dúvida que paira sobre essa questão, diz respeito a legalidade ou não das negativas aplicadas pelos planos de saúde sobre determinados procedimentos médicos a serem realizados em seus segurados, após a solicitação de clínicas ou hospitais, fundamentadas com os devidos relatórios dos seus profissionais. Antes de adentramos na matéria legal sobre o tema, se faz necessário destacar a realidade fática que hoje o envolve.
Após contato com profissionais da área de saúde, restou facilitado o conhecimento sobre a veracidade do que vem ocorrendo na relação entre seguros de saúde e os seus segurados. Apesar do tratamento médico na vida de qualquer cidadão comum ser uma exceção, haja vista que, como regra, presume-se que a maioria sejam sadios, são inúmeros os casos de pacientes que dão entrada em hospitais particulares, necessitando de algum tipo de intervenção. Ocorre que nem todo procedimento se realiza de imediato, principalmente aqueles que se mostram mais complexos, como a realização de exames de tomografia, ressonância magnética, cirurgias, bem como a internação para tratamento de alguma enfermidade a base de medicações.
E o que fazer quando a medida a ser adotada por uma equipe médica se mostra urgente, sob risco de óbito ou sequelas ao paciente, mas o plano não a autoriza? Esse é o ponto fundamental sobre o tema, o qual gera o conflito de interesses motivador da distribuição de inúmeras ações.
Apenas a título de exemplo, em determinadas situações é solicitada por uma equipe médica a liberação para aplicação de determinadas medicações, que podem custar até mesmo R$ 5.000,00 (cinco mil reais) uma única ampola com quantidade irrisória, sendo que em algumas ocasiões o paciente necessita da aplicação de cinco a seis doses desta medicação. Tal fato, mais especificamente, o valor de tais tratamentos, em diversas ocasiões motiva a negativa da liberação pelos planos de saúde, onde em situações não tão excepcionais, percebemos que a negativa se deu com o único objetivo de não se abrir um precedente de liberação imediata para tratamentos tão caros.
Esse comportamento por parte das seguradoras, deixa claro que o objetivo é se esquivar das suas responsabilidades contratuais, substituindo o dever de disponibilizar o acesso à instituições médicas privadas aos seus segurados, pelo anseio de evitar arcar com despesas hospitalares que são de sua competência, tendo em vista que não são poucos os casos em que segurados, mesmo devendo estar cobertos pelo auxílio do seu plano, arcam com valores excedentes, visando afastar o incômodo de ter que enfrentar uma demanda judicial, muitas vezes mais cansativa e custosa financeiramente do que o próprio tratamento ou medicação pleiteada.
Parece absurdo, mas são diversos os casos em que médicos estão sendo obrigados a realizar procedimentos sem a liberação dos planos, com o único objetivo de fazer prevalecer o bem maior e protegido pela nossa Constituição que é a vida. Por essa razão, muitos profissionais que se recusam a fugir daquilo que entendem como ética profissional, assumem o risco de terem que arcar com eventuais prejuízos, caso a negativa do plano se ratifique a posteriori.
Diante disso e inserido nos conflitos a serem dirimidos entre planos de saúde e pacientes, o profissional médico jamais poderá ser responsabilizado quando agir em confronto aos interesses da seguradora, desde que a forma procedimental adotada tenha visado como único fim a manutenção do bem maior que é a vida.
Como exceção, e em atenção à corrupção que assola o país, inclusive na área hospitalar, os planos também devem adotar medidas de proteção. Não são raros os casos de fraude em procedimentos médicos, justamente em razão das quantias envolvidas nesses atos, principalmente quando envolvem disponibilização de medicações de alto valor, as quais, de forma imperdoável, muitas vezes são subtraídas por profissionais ou terceiros de má-fé, objetivando vantagens com a sua venda de forma criminosa.
Também merece especial tratamento, as concessões de liminares para que, por imposição judicial, as seguradoras se vejam obrigadas a atender os seus segurados. Entendo que o magistrado deve ter conhecimento profundo sobre cada demanda, daí a importância da clara fundamentação fática e legal do pedido liminar. O intuito nesse momento, é deixar claro ao Juiz que uma liminar com imposição de multa diária, por exemplo, se mostra talvez ineficaz para um paciente que se encontra em um centro cirúrgico, aguardando exclusivamente a liberação do procedimento. Se mostra mais razoável, que a penalidade pelo descumprimento da ordem judicial deva se dar por horas ou até minutos, levando-se em consideração que o mínimo de tempo pode ser determinante para sequelas irreversíveis ao paciente.
O que se mostra crucial para o atendimento ético pelas seguradoras, parece ser encontrar justamente um ponto de equilíbrio entre o atendimento às cláusulas previstas no contrato, mas sem fugir daquilo que é previsto em legislações referentes à fiscalização da saúde nacional.
Do ponto de vista legal, não resta dúvida de que negar um pedido médico quanto ao fornecimento de determinado tratamento, põe em risco o estado de saúde do segurado, que necessita desse atendimento de forma emergencial, em desrespeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, notadamente o direito à saúde, direito este correlato à própria vida, como consta do caput do artigo 5º da Magna Carta.
No que diz respeito as situações emergenciais para tratamento do segurado, as cláusulas de carência ou ausência de cobertura devem ser consideradas nulas, pois, incluídas em contrato de adesão, colocam o consumidor em desvantagem exagerada, incompatível com a sua boa-fé e equidade, conforme dispõe o art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor. Tem-se aqui, então, direitos sobre direitos, onde deve prevalecer a natureza do mais importante. Por isso, a cláusula referente a carência há de ser considerada leonina, por infringir previsão legal.
A Lei 9.656/98, a qual dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, em seu art. 12, V, c, estabelece ser de 24 (vinte e quatro) horas, o prazo máximo de carência para os atendimentos de urgência e emergência. É nesse momento que surgem os interesses conflitantes, mais precisamente, quando desse atendimento decorrer a necessidade de internação do segurado. Nessas situações, as seguradoras de saúde têm, de forma reiterada, procedido com a recusa do atendimento, fazendo a exigência de que seja cumprida a cláusula de carência que, na grande maioria dos casos, é de 180 (cento e oitenta) dias, prazo esse, que é extremamente superior ao de 24 (vinte e quatro) horas fixado para os atendimentos de urgência e emergência.
Traduzindo essa situação para uma linguagem mais clara, as seguradoras vêm exigindo para internações de urgência, o cumprimento da carência mínima para internações e cirurgias, recusando-se a cobertura que não se enquadre em tais situações. Disposições contidas na Resolução CONSU, vem sendo utilizadas como base para fundamentar os procedimentos de negativa pelos planos de saúde, porém, em desconformidade com o anteriormente citado artigo 12, V, c, da Lei 9.656/98, o qual estabelece única e exclusivamente o prazo de 24 (vinte e quatro) horas como necessário para afastar a carência para a cobertura de casos de urgência e emergência, sem fazer nenhuma exceção às situações que evoluam para a necessidade de internação.
Cumpre mencionar que, tal como posta a cláusula de carência, num país em que o atendimento da saúde pública está caótico, sendo de conhecimento comum o altíssimo custo de qualquer internação hospitalar, a sua abusividade é patente. Não se trata de ignorar a autonomia da vontade na realização dos contratos, mas de adequar aquela, sobretudo nos contratos de adesão, aos limites de proteção ao Código do Consumidor, que revelam o fundamento do fumus boni juris.
Diante do supramencionado choque de interesses, não há que se falar em atribuição de responsabilidade ao médico, pelo descumprimento do comando que lhe foi dado pelo plano saúde, ao ratificar a negativa de liberação para algum tipo de intervenção da unidade médico-hospitalar. Não esqueçamos que nas situações anteriormente citadas, o profissional de saúde age sob a égide do Código de ética médica, que logo nos seus princípios fundamentais esclarece que a Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza, devendo o alvo de toda a atenção do médico ser a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.
Toda essa discussão, deve ter como expectativa a busca de uma mudança nos procedimentos de resposta das autorizações para liberação de medicações e procedimentos médicos nas situações de urgência e emergência, uma vez que, utilizando-se da sensatez e da ética profissional, percebe-se que determinados procedimentos precisam ser realizados com a maior brevidade possível, com o intuito de se evitar prejuízos a qualquer das partes envolvidas nessa relação.
Autor do artigo. Pedro Jones – Advogado da Badaró Almeida& Advogados Associados.