Durante muito tempo, o Jornal Nacional representou a imagem impecável do jornalismo na TV brasileira e o simbolismo da repercussão de fatos diários ocorridos no Brasil e no mundo. Em sua forma imutável e padronizada, produziu uma espécie de público que não se caracteriza pela capacidade de contestar a notícia por ele veiculada; antes, o JN prevalece sobre um público dissuadido, inepto e insuficientemente capaz de questionar a organização dos fatos como eles são distribuídos no noticiário.
Recende aqui a ideia de que o Jornal Nacional manipula. E muito mais do que isso se tornou uma espécie de índex de notícias partidárias que serve a uma camada da população hoje descontente com o governo da presidenta Dilma Rousseff. O lugar de fala do telejornal se coaduna com as caraterísticas jornalísticas TV Globo. É para os setores conservadores da sociedade brasileira que o JN dirige suas notícias, conquanto seja agradável – por fortuna – que as classes mais necessitadas também os ouça.
O partidarismo no Jornal Nacional criou nos últimos tempos uma figura horrenda do ponto de vista da comunicação: a manipulação e a reorganização de fatos para produzir efeitos que nem mesmo a TV Globo poderia contornar. O jornalismo sem responsabilidade, assim como todo ofício, é um risco à sociedade. E em tempos de conflitos muito mais ufanistas do que ideológicos por essência, um telejornal não pode incendiar a população e incitar ódios porque sua atribuição é “ater-se aos fatos”.
O Jornal Nacional não suprime notícias, mas as diminui; não deixa de ouvir os dois lados, mas dá um peso maior a um deles; não se refere com menosprezo a um partido, mas descaracteriza qualquer de suas ações. Na esfera de questionamentos feitos à mídia nestes tempos difíceis, um deles permanece intocável: será que o editor-chefe deste telejornal não percebeu a vaga nau naufragando? A audiência não é mais a mesma, pois a afirmativa de que o Jornal Nacional não mente se tornou, por aclamação, um chiste.
Nos últimos tempos, a predisposição do JN ao fracasso é evidente. Vários são os fatores, mas o principal deles é a internet. Com tantas fontes confiáveis para se informar, os brasileiros perderam o hábito de se sentar no sofá, antes ou após o jantar, para assistir ao noticiário global. A notícia está no computador, no tablet, no smartphone. Não é mais o Bonner que a entrega, mastigada e sob a sua edição, no simbólico coadunar de imagens e sons. A notícia hoje é texto, hipertexto, imagens, também vídeos e sons, mas não somente. Ela é acessível e na maioria das vezes passível de interpretação.
A comunicação usufrui de mecanismos muito sutis e processos simbólicos cada vez menos perceptíveis para quem não os compreende em sua teoria. A produção de conteúdo da grande mídia hoje se afirma nesta perspectiva. Entretanto a sutileza se torna partidarismo quando se diz que a manifestação de 13/03 foi do povo, numa generalização e profusão de símbolos que denota o lugar de fala e a quem esta fala se destina; enquanto que as manifestações dos dias 18 e 31/03 foram de entidades e centrais sindicais, e organizadas por partidos. Se isso não é descaracterização da notícia e do fato, é preciso rever os valores da comunicação.
Vê-se claramente a desintegração do Jornal Nacional como produção de sentido, ainda que o público por ele fidelizado construa verdades sobre ilações. Os níveis de audiência despencam tal é a deturpação da realidade. Jornalismo não deve agradar nem a gregos e muito menos a troiano, especialmente quando se trata de uma emissora que incensa todos os dias os seus fabulosos princípios éticos e editoriais. Mas não é isso o que se vê. Há distinção e ela pode ser provada por quem jamais leu qualquer coisa sobre análise do discurso. Não precisa ser da área da comunicação para perceber.
Pela condição outrora ocupada, o Jornal Nacional deixa um legado e um padrão ainda copiado pela maioria das emissoras de TV, o que sem sombra de dúvidas homogeneíza o telejornalismo e mesmo a própria mídia tradicional. E a coloca em patamar de busca por alternativas que estão no seio do próprio jornalismo, mas que não são encontradas deliberadamente. Não é o valor sígnico de um cenário, a troca de uma apresentadora ou a possibilidade de movimento diante das câmeras que vão fazer um bom telejornal. O equivoco maior ainda está na essência e acima do JN e de todos os outros telejornais globais: é tentar produzir sentido quando e onde nem sentido há.
Mailson Ramos é colunista do site Nossa Política.