O governo de Michel Temer assume. Com ele assumem as necessidades de um poder conservador que reivindica junto ao Congresso Nacional e aos brasileiros tudo o que negou à Dilma durante 15 meses de sabotagens.
Em meados de 2015, a palavra pauta-bomba adquiriu notoriedade no discurso político-midiático. Era uma maneira de sufocar o governo Dilma, obstruindo votações importantes na Câmara ou mesmo impondo pautas desagradáveis e que não auxiliavam o país num momento de crise. Eduardo Cunha, da sua posição de superioridade, quando até mesmo as revistas e jornais lhe davam capas, fez o que pode para sufocar o governo.
Assim foi até o afastamento da presidenta Dilma Rousseff. Bastaram apenas duas semanas para que o governo interino de Michel Temer assumisse e os parlamentares a ele alinhados no Congresso passaram a reivindicar tudo o que negaram à Dilma por um longo período. De início, o próprio presidente interino usou de estratégia de marketing para dizer aos brasileiros que parassem de falar em crise e trabalhassem mais.
A mídia, que utilizou a palavra crise em suas manchetes como um mantra apocalíptico, fez questão de incorporar a campanha de Temer, rechaçando a narrativa de que o país estava à beira do precipício como antecipara a poucos dias do afastamento de Dilma. Por definição de suas escolhas e não por um contexto de isenção jornalística, a mídia escolheu estar ao lado de quem, por longos meses, conspirou contra a presidenta eleita deste país.
Hoje causa espanto que a base do governo provisório defina como necessária a CPMF que há dois meses – como medida econômica de Dilma – entendia ser o cúmulo do absurdo. Onde estão aqueles deputados que ergueram placas e fizeram verdadeiro escarcéu em comissões e sessões do plenário da Câmara contra a medida que agora apoiam? Onde estão os deputados e senadores que rechaçaram a meta fiscal do governo Dilma prevista em R$ 90 bilhões, mas que aprovaram a meta de R$ 170 bi, estipulada por Meirelles e a equipe econômica de Temer?
Intolerantes, os parlamentares alinhados a Temer falam em governo de salvação. Enquanto discutiam, na última terça-feira (24) os vetos presidenciais e a votação da meta fiscal, fingiam não lembrar que durante o dia inteiro o governo foi alvejado com críticas pela divulgação das gravações do então ministro do Planejamento, Romero Jucá, em que ele revelou esquema para travar a Lava Jato. Inclusive o próprio Jucá esteve ao lado de Renan Calheiros, enquanto votavam os senadores e deputados. É achincalhe? Talvez. Mas muito mais cinismo e desfaçatez.
Os ministros e nomeados do presidente interino também usam de impecável descaramento. O tucano José Serra afirmou que no Itamaraty não haveria mais partidarismo, referindo-se à política externa realizada pelo PT nos últimos treze anos. Ora, ainda ontem, na imprensa, surgiu a notícia de que Serra distribuiu uma circular entre diplomatas pedindo que eles apoiem o impeachment. O que seria isso senão partidarizar uma instituição pública?
Assumiu a EBC (Empresa Brasil de Comunicação) certo Laerte Rimoli, ex-assessor de comunicação de Aécio nas eleições de 2014 e ligadíssimo a Eduardo Cunha. Este jornalista afirmou que devolveria a EBC à sociedade brasileira. É um discurso uníssono este de que o PT se apoderou das instituições públicas. Em menos de uma semana ele demitiu funcionários, suspendeu outros, alterou a grade da TV Brasil e deu o roteiro de uma velha comunicação pública – esta sim – feita aos interesses do governo vigente, ou seja, colocando uma instituição a serviço dos interesses do poder estabelecido.
Foi veiculada na TV, aqui na Bahia, uma propaganda do PMDB em que mulheres aparecem falando sobre a participação feminina na política. A elas sucede o deputado Lucio Vieira Lima (PMDB-BA), um dos mais ferrenhos adversários do governo Dilma, falando sobre estes direitos. Naturalmente o amigo internauta vai perguntar se há mulheres no governo Temer e a resposta será seca: não. Não há mulheres, assim como não há negros. É um governo de homens brancos e que não se envergonha de falar a uma população que o repele porque é diversificada.
O cinismo e a desfaçatez desta turma não resistirão ao tempo porque breve é a tempestade. E a primavera já vem. O ministério de Temer só se notabiliza pela corrupção. O próprio presidente interino é um engendro de Eduardo Cunha para continuar no poder remotamente. De sua residência oficial ele envia sinais frequentes de que não suportaria ser traído. O Temer observa, cumpre, sobrevive. E mantém aquela empáfia de quem se elegeu com a vontade do povo tendo menos de 8% de popularidade. É o cinismo em irretorquíveis matizes.
Mailson Ramos é relações públicas e colunista do site Nossa Política.