Todos nós sabemos qual foi o papel da grande imprensa durante a ditadura militar, instalada em 1964. Os grandes jornais deste país cumpriram a nefasta tarefa de dar ares democráticos a um golpe de Estado.
O ‘Estadão’ estampou em sua capa no dia 2 de abril de 1964 a seguinte frase: ‘Vitorioso movimento democrático’; O Globo não ficou atrás: ‘Empossado Mazzilli na presidência’, com um editorial performático: ‘Ressurge a democracia’.
Passados mais de cinquenta anos do golpe, tímidos pedidos de perdão ocuparam as redações destes veículos; a tradução imperfeita de um mea culpa foi extraída a duras penas de chefes de redação, mas nunca dos seus superiores.
Os coronéis midiáticos jamais pediram perdão por apoiar o regime porque nunca se arrependeram de tê-lo feito. É a simples constatação do fato de que não é preciso pedir perdão por um crime que logo voltará a cometer.
Mas os patrões do jornalismo brasileiro não sujam as mãos. Talvez, muito provavelmente, porque – mesmo sendo jornalistas – não tenham a capacidade profissional de produzir efeito sobre aquilo que porventura vierem a publicar. E como o diz o jornalista Mino Carta, o Brasil é o único país do mundo onde os jornalistas são piores do que os seus patrões.
E chegamos finalmente ao servilismo a que se submete o profissional para dar voz ao veículo onde trabalha. A sabujice não passa longe de um complexo de vira-latas que o jornalista e escritor Nelson Rodrigues identificaria na imprensa brasileira. Talvez seja a face da mesma moeda.
Dos exemplos é que vem a mais consistente prova da submissão profissional do jornalista brasileiro. Ao ponto de um acadêmico lançar mão de uma peça narrativa em que a presidenta da República pagou o cabeleireiro com dinheiro de propina da venda de uma refinaria de petróleo. Causaria espécie a Machado de Assis a narrativa e não a ficção.
O outro desanca a imprensa internacional que sempre foi festejada pelos veículos daqui. Ou as capas da Economist favoráveis ao ‘Não Vai Ter Copa’ não foram repercutidas? Aventa-se inclusive a possibilidade de que o PT tenha colocado um dos maiores jornais do mundo, o The New York Times, nas suas folhas de pagamento, o que explicaria a defesa do golpe contra Dilma feita pelo periódico americano.
Ouve-se quase um ‘vão embora’ dirigido aos correspondentes internacionais – possivelmente comprados por este demônio que é o Partido dos Trabalhadores. É como se o Brasil perdesse a simbologia de bom anfitrião e decidisse expulsar aqueles que têm uma visão diferente dos fatos. E o discurso é sempre o de assegurar a democracia contra os vermelhos que querem voltar ao poder. Viva Temer!
Em menos de uma semana após a posse do presidente interino, um blogueiro ressaltou que no Palácio do Planalto viviam-se ares renovados e que os jornalistas podiam até transitar perto do gabinete de Temer, o que era quase impossível na época de Dilma. Não é somente ativismo e a escolha de um lado – se quisermos tomar o fato do ponto de vista democrático, do respeito à opinião; é sabujice.
Sabujos não mais escondem a sua satisfação em entrevistas e chegam a desejar boa sorte a ministros de Estado, com sorrisos e afagos. Onde estão o distanciamento e a isenção? É este o jornalismo que não quer ser confrontado. Por isso querem expulsar o Greenwald do Brasil, querem estabelecer que os veículos internacionais aqui instalados se comportem de maneira execrável à imitação do seu grotesco fazer jornalístico. Assim se comporta a velha mídia.
Para manter os privilégios e continuar influenciando a opinião pública de maneira monocrática. Para dizer, como fizeram em 1964, que o golpe de Estado foi uma revolução democrática necessária ou, como agora, para dar vernizes democráticos a um assalto político; para voltar a falar grosso com a Bolívia e falar fino com os EUA. De repente, com aquele discurso de que ‘não precisamos do mundo’, o Brasil voltará a ser uma ilha de benesses onde as manchetes dos jornais nunca dirão o que os brasileiros não querem ler.
Mailson Ramos é relações públicas e colunista do site Nossa Política.