Nos últimos dois anos a grande mídia brasileira nutriu-se dos escândalos de corrupção na política e da crise institucional entre os poderes da República. Foi um verdadeiro festival de produção de sentido baseado nos vazamentos das delações da Operação Lava Jato diretamente de Curitiba para o centro nervoso das redações. Parte determinante deste processo de recebimento de informações ditas sigilosas era definir e selecionar as notícias para um determinado público, um lugar de fala ou para reverberar uma opinião editorial.
O circo midiático que nasceu deste processo de seleção de notícias foi fundamental para mudar os rumos da política nacional a partir de posicionamentos nada imparciais incidentes sobre a opinião pública. Mobilizar massas, converter uma cobertura jornalística em propaganda, angariar apoio em detrimento da isonomia do jornalismo e catalisar ideais políticos foram algumas das iniciativas da mídia corporativa para cambiar os rumos de uma República cujas instituições públicas já se apresentavam em incontestável mau funcionamento.
Se o Ministério Público Federal (MPF) funcionasse às mil maravilhas teria controlado os vazamentos de documentos sigilosos e encriptados (protegidos por senha) à mídia. O acesso dos veículos de comunicação aos vazamentos era instantâneo. Enquanto colunistas de grandes jornais esbanjavam em opiniões sobre ética para os políticos, as empresas jornalísticas rasgavam o seu próprio código de ética ao descumprir determinações judiciais para publicar informações sob segredo de Justiça.
Como baluarte da queda do governo anterior, a mídia portou-se de modo deplorável. Ocupou espaços dentro do Palácio do Planalto, regozijou-se com a chegada do novo presidente, construiu muros para defesa daquele inconteste a quem admirava. Muito mais como propagandistas do que jornalistas entrevistaram o novo presidente livrando-o de questionamentos mais pesados sobre a política ou sobre os escândalos de corrupção que envolvia ministros do governo.
Apeada de sua condição contestadora e mais uma vez na história refém de seus interesses financeiros, a mídia construiu espelhos onde não conseguiu se refletir. Ela cria e recria a realidade diariamente, entretanto, por seu distanciamento corporativo, está descolada desta mesma realidade. Distingue-se por uma luta infindável por sua sobrevivência em detrimento até da sobrevivência do país, da preservação dos direitos do povo, da construção de um país verdadeiramente democrático. O Brasil jamais o será com a mídia que tem.
Há alguns anos, podia-se dizer que o Brasil tinha uma mídia egocêntrica, indisposta ao ombudsman, demasiadamente afeita aos ambientes políticos; mas o que se apresenta hoje é um partidarismo desenfreado notado e comprovado não apenas por quem lê, mas por quem pesquisa na academia. A mídia partidarizada é como um juiz que destrói um partido e senta numa mesa para beber com o maior adversário do partido que destruiu. Não há nisso uma parcialidade incontestável?
O mais interessante da história é que a mídia brasileira é partidarizada e prega a despolitização do indivíduo. Não interessa a reflexão profunda sobre o que acontece em Brasília. Basta uma enxurrada de notícias, espetáculo, incitação ao ódio e a mente que surge disso – não diferente da mente do Homer Simpson – é o produto perfeito. Não contesta, vota mal, segue estereótipos e ideologias das quais nada sabe. Um protótipo especializado em seguir mantras, devorar notícias sem analisar o conteúdo, o que se convencionou chamar de midiota.
A mídia continuará sem se ver nos espelhos para não refletir a realidade de que ela, ao mesmo tempo em que comanda, também é refém deste sistema carcomido. Portando-se como indigna de críticas, não vai a lugar algum. Porque sabe que erra e erra na maioria das vezes por má fé, pela inominável necessidade de se financiar, ainda que pela desgraça de milhares de brasileiros. Ou não foi um pacto salvador o reajuste na publicidade do novo e já combalido governo?
Os espelhos continuam embaçados.
Mailson Ramos é criador do site nossapolitica.net.