O Brasil já estava mesmo devendo à Axé Music. Você pode gostar ou desgostar, mas claro, em algum momento parou para ouvir ou até se balançar, refletir, elogiar ou criticar a música de Luiz Caldas, Sarajane, Missinho, Chiclete com Banana ou os esquecidos Lula Carvalho e Laurinha. Mas, dizer que o furacão baiano que agitou o país e em certo grau ainda tem seu anima, passou incólume por você é esconder a realidade.
Pois o documentário “Axé – Canto do Povo de um Lugar”, do diretor baiano Chico Kertész, chegou aos cinemas para cravar a história, nesta terra onde a memória se perde, onde o patrimônio imaterial se dissolve como nuvens de algodão, ou como diria uma letra de música de Axé, balança e vai como onda.
No documentário está tudo certinho, encaminhado quase que de forma linear, na melhor da cronologia e nada escapa, desde que nos anos 1980, bem no comecinho, ouvimos e ficamos chocados com “a nega de cabelo duro/Que não gosta de pentear”, mas fomos acostumando e perdoamos a letra nada politicamente correta e nos agradamos com o suingue e o requebrado meio cintura dura de Luiz Caldas.
E daí vieram os outros, e sabendo que lá foram, quem arrebentava em Chacrinha era a Banda Reflxus com sua ilha de amor lá para as bandas de Madagascar. O filme de Chico nos revela emocionantes e históricas imagens de arquivo, coisa do arco da velha, do baú da vovô (Laurinha, a inventora do folião pipoca já é vovô e Lula (Bocão) Carvalho, meu amigo lá da Cidade Baixa – Laurinha também o é idem). E o espectador de mais idade vai relembrando passado a passo e fica até emocionado. Os mais novos, esse pessoal da Geração Y, descobre a essência, o DNA, a alma do que canta e dança nos ensaios, nos blocos, nos Carnaval e não sabia o porquê.
A inciativa criativa do diretor em mostra a história e algum axezeiros ou críticos como o jornalista Hagamenonm Brito, que criou o termo, que era para ser pejorativo e virou nome próprio – uma marca que até hoje, mesmo com crise de identidade, ainda faz muita gente ganhar dinheiro e notadamente revelar jovens músicos suburbanos em todas as esferas; é um acerto que envolve e enleva. O filme até parece os refrões das músicas que mostra: pega. Gruda que nem… chiclete.
Contando aos poucos nossa indelével cena musical e editado de forma esplendorosa (vale à pena as entradas lúdicas de Carlinhos Brown. É bom ver meu amigo e colega Hagamenon Brito um tanto constrangido quando fala da esculhambada que dávamos na Axé, como se ele fosse culpado do preconceito, que era de todos nós, na verdade. E è ele quem lá para as tantas do docume tário de Chico instiga, quando fala que muitos pagaram muitos para que outros não fizessem ou continuassem com o sucesso, como o memorável caso do dono da Banda Cheiro.
Aparece Caetano Veloso, que entrou por acaso no processo da Axé Music, pois também foi pego de surpresa quando da sua aparição. O importante também no imperdível – e que será, com certeza, premiadíssimo – documentário de Chico Kertész é mostrar que a Bahia rompeu com a ditadura da gravadoras do Rio e São Paulo. O sucesso passou a começar aqui e a se espalhar. E fica uma saudade danada de meu amigo Wesley Rangel. Aliás, fiquei sabendo que a WR está com tudo, abrindo espaços de graça para artistas neófitos.
Interessante quando acaba o filme: tem gente chorando, tem rindo e todos aplaudindo. No dia que fui lá estava Gilberto Gil, quietinho (ele também dá depoimento e de repente abria o largo sorriso e ele está precisando sorrir. E todos unânimes em dizer que o diretor tem de fazer a parte dois desta obra prima que é seu (nosso) documentário.
Jolivaldo Freitas – Escritor e Jornalista