O mundo vive uma crise humanitária sem precedentes; o ódio que recrudesce das sociedades parece consumir tudo aquilo que um dia chamamos de civilização; o poder central das grandes nações recai em mãos aventureiras sob o pretexto da severidade administrativa e a manutenção de medidas conservadoras; a violência se destaca como um mecanismo de dor, para humanos ferirem outros humanos ou mesmo o próprio planeta. E o homem parece incapaz de perceber que esta onda de conservadorismo é o que o impele a normatizar a violência e o ódio. Sem regras.
O retrato das crises humanitárias se tornou um mosaico da decadência humana. Além dos refugiados na Europa, as guerras civis na África, o desassossego com as práticas de guerra nuclear da Coreia do Norte, o mundo volta os olhares especialmente para os Estados Unidos, onde Donald Trump promete construir um muro na divisa entre o seu país e o México. Não somente por isso o presidente americano é um fundamental objeto de observação: Trump demonstrou, em sua campanha, ser um sujeito extremamente conservador. Esta atribuição, entretanto, lhe rendeu mais votos e popularidade.
Ainda que se tenha veiculado na mídia americana que Trump assediou mulheres, criticou negros, latinos e homossexuais e desprezou alguns povos por considerá-los insignificantes, o seu discurso conquistou mais adeptos. As palavras ganharam determinado espaço e eco na sociedade americana que, por sua vez, reagiu positivamente a este instinto conservador. Não interessa ao cidadão daquele país que o seu presidente construa um muro para separá-los de outro país, um resgate dos moldes medievais de isolamento das cidades-nação, onde a diplomacia ficava em último plano e o que interessava era o protecionismo absoluto.
O humanismo perdeu espaço para uma busca incansável por projetos de rigidez nas relações, onde o diálogo inexiste. A tipificação do conservador brasileiro, por exemplo, é reconstruída todos os dias com requintes de violência e de ódio, num assomo catastrófico de protofascismo. O artífice desta empreitada é Jair Bolsonaro, deputado fluminense pelo PSC. Um modelo caricato de Donald Trump – certamente com menos inteligência e perspicácia – Bolsonaro atrai, sobretudo os jovens brasileiros ditos apolíticos. No processo brasileiro de recrudescimento do conservadorismo, a rejeição à política é uma das bases para a obtenção de adeptos.
Saudoso de um regime militar que deu fim a milhares de civis – muitos deles jamais tiveram os corpos resgatados –, Bolsonaro reage com o peso de um discurso conservador, de extrema-direita, defendendo teses extraordinariamente opacas; faz parte do seu show. Ele responde a processo na Suprema Corte por incitação ao estupro. Na apoteose de sua insensibilidade, ao anunciar o voto favorável pela abertura do impeachment de Dilma Rousseff, Bolsonaro homenageou o torturador Brilhante Ustra. É como se alguém falasse em Adolf Hitler com uma saudosa memória. Uma repugnante asserção.
Recentemente, o Brasil assistiu à libertação do goleiro Bruno. Ele mandou matar a ex-namorada, Elisa Samudio, que ficou encarcerada por alguns dias e depois teve um fim que nem mesmo a polícia soube decifrar. A verdade é que o seu corpo jamais foi encontrado. Bruno foi preso, cumpriu uma pena de sete anos e foi solto por determinação liminar de um dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). De volta à prisão para entregar documentos, Bruno foi recebido por alguns fãs ávidos por tirar selfies; um deles vestia uma máscara de cachorro (possivelmente fazia alusão ao indício de que os assassinos de Elisa entregaram partes do seu corpo para cães). A sociedade brasileira aceitou. Afinal de contas, Elisa era uma mulher. Quantas mulheres morrem no Brasil pelas mãos dos próprios parceiros? Isso não interessa porque são mulheres e o seu lugar numa sociedade patriarcal e conservadora é reduzido.
Reduzido como o espaço das mulheres no governo ilegítimo de Michel Temer. Numa camarilha formada por homens brancos, de meia idade, não havia espaços para as mulheres. Mesmo a secretaria das políticas para as Mulheres foi extinta. Este processo é resultado das forças conservadoras e hegemônicas que mais uma vez se uniram para tomar o poder no Brasil. Como a ‘Marcha Com Deus Pela Família’, em 1964, as manifestações de 2016 eram elitistas, conservadoras e não lutavam por outro propósito que não o restabelecimento de políticas antipopulares para favorecer aos latifundiários, aos monopolistas grupos de mídia, aos grandes industriais e donos de bancos, aos políticos como beneficiários dos mais espúrios conchavos.
O conservadorismo se nutre de ícones opacos como a jornalista húngara Petra Laszlo que, em 2015, saiu dando rasteiras em refugiados que tentavam entrar em seu pais. Mas ela não está sozinha. Alguns jornalistas brasileiros fariam a Petra Laszlo corar. Rachel Sheherazade, apresentadora do SBT, em seus comentários repletos de um reacionarismo ímpar, diria aos adeptos dos Direitos Humanos que adotassem um bandido. Sheherazade é reacionária e se orgulha disso. Também ela não está sozinha. Afinal de contas, não há nada mais conservador do que as religiões, especialmente aquelas que exorbitam do direito de cobrar o dízimo. Muitos destes pastores estão prontos para condenar alguém ao fogo do inferno porque assistiu a um filme evolucionista, por exemplo.
No Brasil, o conservadorismo se traveste nas roupas do nacionalismo, do patriotismo, da luta contra a corrupção. É somente, entretanto, um jeito de manipular a opinião pública para aceitar que o humanismo é um retrocesso. Para se aceitar os muros cinza e não os coloridos com a arte do grafite; são maquinações perversas como os medievalismos do Judiciário e suas conduções coercitivas, em detrimento dos direitos do cidadão; para passar a impressão de que rígida, a sociedade alcançará o seu bem-estar. Na verdade, a onda conservadora – que não por coincidência é a guinada à direita e à extrema-direita no mundo – é um grito sufocado das forças de antanho, suspirando de terríveis momentos da história humana, ansiosos por voltar.
Mailson Ramos é relações públicas e editor do site Nossa Política.