Supostamente criado na Rússia em 2015 por anônimos, o jogo Baleia Azul despertou na última semana curiosidade e pânico entre pais e filhos no Brasil. De acordo com notícias que emplacaram na imprensa nacional, já classificadas em alguns meios como “fake news” (boatos disseminados na internet), a dinâmica consiste em obedecer a 50 regras impostas por um “curador” (quem dita as ordens no jogo), que, entre pedidos para causar dor e ódio, vence quem cumprir o último item, o suicídio.
Verdadeiro ou falso, o jogo reacende o alerta – e a urgente necessidade de ajuda – para diversos assuntos que afligem crianças e adolescentes, como bullying, depressão e suicídio, e também para como pais e educadores devem reavaliar os seus respectivos papéis na assistência, seja em casa ou na escola.
Os perigos do Baleia Azul são reais, já afetaram jovens brasileiros, e a notícia da prática sensibilizou pais, educadores, profissionais da saúde e entidades que trabalham com o bem-estar social. E existe um senso comum de que a sociedade precisa promover orientações para frear o impacto do conteúdo e as más referências de convivência sugeridas pelo jogo.
O professor de geografia José Antônio Fermozelli, que atua tanto na rede de ensino pública quanto na particular da cidade de São Paulo, conta que o jogo é assunto entre crianças e adolescentes da escola privada e ainda não chegou aos alunos da unidade estadual, ao menos nas classes onde leciona. “Na particular, eles comentam entre si sobre o Baleia Azul, às vezes entre risos, às vezes com seriedade, mas logo param de comentar quando um professor se aproxima”, revela Fermozelli.
Um contato mais próximo com o jogo foi experimentado pela coach de pais Jéssica Costa, fundadora do Instituto Somos Pais, com sede em Salvador. No domingo passado, 16, ela conta, estava em um parque com os filhos e ouviu a voz de um curador, que saía do celular de um menino, segundo Jéssica, de 15 anos, ao lado de mais dois menores. “Era uma voz fria, com ar de psicopata, que logo no início avisa que o jogo é para ‘fortes’ e que o participante não pode comentar com ninguém sobre a prática”, detalha.
A preocupação de Jéssica é pela forma como o Baleia Azul provoca o senso de maturidade de crianças e adolescentes. “Exige que tenham o psicológico inabalável, o que já é um bullying, para cumprir o último desafio, que é o suicídio”, conta a coach sobre o que ouviu.
A reportagem entrou em contato com o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado da Bahia para tratar sobre o assunto, mas a entidade preferiu não se pronunciar.
Má tecnologia – Jéssica aponta a tecnologia em excesso e nas mãos de crianças, logo cedo e sem controle dos pais, como um agravante para um jogo como este – o Baleia Azul – seduzi-las. “Hoje, a tecnologia é mais maléfica do que benéfica à educação, porque ela é introduzida sem o monitoramento dos pais e muito antes que o necessário. Antes dos 7, 8 anos, o contato com jogos eletrônicos e mesmo desenhos deve ser regrado”, analisa a coach.
Nesse contexto da tecnologia e educação desregradas, Fermozelli faz uma inusitada comparação entre o Baleia Azul e o jogo de videogame Carmageddon, lançado em 1997, e considerado o primeiro jogo de corrida com conteúdo violento. “Lembro da minha época de adolescente, em que gostava de futebol, mas amigos se divertiam com videogame e tinha este jogo, em que se controlava um carro e ganhava pontos ao atropelar pedestres, entre crianças e velhinhas. No Baleia Azul, a violência sai do virtual e ganha a vida real, mas em ambos os casos existe uma equivocada concepção de crueldade e limites”, reflete o professor.
Fermozelli acredita que, em curto espaço de tempo os seus alunos da rede pública terão acesso ao jogo e o fato de os alunos da particular conhecerem e participarem antes do Baleia Azul se deve à classe social.
“O poder aquisitivo mais avantajado de uns permite que esses alunos tenham os últimos lançamentos de celular ou de jogos. No entanto, as crianças de baixa renda também logo saberão sobre o Baleia Azul. Tudo chega até eles mesmo que tardiamente”, completa.
Dados do Mapa da Violência de 2012 – Crianças e Adolescentes e Mapa da Violência de 2014 – Jovens do Brasil apontam que o número de suicídios e homicídios entre adolescentes tem aumentado, o que o psicólogo Samuel Pedrosa classifica como “catastrófico”. “O suicídio é um grave problema de saúde pública, além de ser um tabu, o que dificulta ações, diálogo e um trabalho preventivo. Precisamos ouvir o que nossas crianças e adolescentes têm a nos dizer”, ressalta.
A opinião de Pedrosa coincide com a da coach Jéssica, de que os pais e educadores precisam aumentar o monitoramento dos filhos a partir do diálogo, sem punições. “O instituto trabalha com a disciplina positiva, método que acredita 100% no diálogo. Neste momento em que jogos como o Baleia Azul atingem a saúde física e mental de crianças e adolescentes, temos que ter firmeza para dizer a eles o que é certo ou errado, com uma dose de gentileza, estabelecer uma empatia nessa relação”, fala a criadora do Somos Pais.
Para a psicologia, explica Pedrosa, a tentativa ou desejo do suicídio podem ser identificados através da “escuta qualificada e de um vínculo de confiança, sendo que um trabalho terapêutico se sustenta através do acolhimento e de um olhar cuidadoso”.
Bullying – As informações sobre o Baleia Azul caracterizam uma prática distinta do bullying, investiga Pedrosa, mas igualmente preocupante. “É que, diferentemente do bullying, o desafio ocorreria com a aceitação da vítima na participação. Este desafio culminaria na morte da vítima, sendo que o bullying, em situações severas, também pode culminar na morte da vítima”, avalia o psicólogo, enfatizando que práticas de violência psicológica necessitam de um trabalho preventivo.
Baleia Rosa – A resposta inversa – e positiva – ao Baleia Azul ganhou no Brasil o nome de Baleia Rosa, disponível no Facebook (/eusoubaleiarosa). Com tarefas que pregam o amor e o bem-estar, a página já tem mais de 130 mil seguidores em menos de uma semana desde que foi criada. A atividade tem, inclusive, a ajuda de uma psicóloga, que responde a pedidos de ajuda de adolescentes que acessam o Baleia Rosa para expor aflições e problemas.