Um pai segurava a filha de mais ou menos um ano de idade no braço esquerdo e com o braço direito abraçava os suportes do ônibus para não cair. Clamava pela criança que sequer tinha leite para se alimentar. O rosto sofrido de um típico trabalhador braçal já deixava transparecer a dor e o desespero. O som da voz não carregava o rogo de quem precisava de ajuda, mas a desilusão com a própria vida. E andou pelo corredor do ônibus com aquela criança deitada em seu ombro pedindo uma moeda, talvez até mesmo um olhar de compaixão.
E porque tivesse logrado receber algumas moedas, sentou-se nas cadeiras, no fundo do veículo, a embalar a menina de braços e pernas frágeis. Possivelmente dormia com fome. As mãozinhas eram também frágeis e pouco coradas. Aquela imagem refletia a amargura da indignidade humana. Da incapacidade do Estado (hoje desmontado) de suprir as necessidades daqueles que mais precisam.
Entrar num ônibus em Salvador é enxergar de perto as mazelas de uma sociedade desfigurada, de um governo incapaz de olhar para os mais pobres, do desmonte do estado de bem estar social. O bem estar social foi trocado por questiúnculas políticas e partidárias daqueles que, ao longo de sete meses paralisaram o país para discutir um processo de impeachment cuja denúncia foi e é refutada por grandes juristas. Em nome da “luta contra a corrupção” destruiu-se empresas estatais, contratos, investimentos, setores inteiros da economia.
O desmonte que avança sobre a classe trabalhadora é um processo genocida. Culminará num atraso econômico e, sobretudo social de décadas. Inteiras gerações serão afetadas por aquilo que se convencionou chamar de reformas e não vai reformar nada. Com o pretenso ideário de correção de erros anteriores, este governo afunda o país numa crise política e moral que influencia diretamente a economia. Não há nele a chave para sair da crise.
Exemplos como o supracitado serão mais comuns a cada dia. Com o avanço destas medidas que visam satisfazer um punhado de grandes empresários, a grande maioria da população vai sofrer com um estado que não mais ampara, que reduz de tamanho e se abstém de suprir necessidades uma vez estabelecidas pela Constituição Federal de 1988.
O futuro está ameaçado por forças do passado. Assim sempre é no Brasil. O país reencontrou a funesta rota para o mapa da fome, de onde havia se retirado com louvores durante o governo de Dilma Rousseff. Novamente se vê crianças nas ruas pedindo esmola e gente escorada nas paredes dos grandes edifícios a mendigar moedas. Antes de fazer traçar um panorama partidário e ideológico de toda esta situação, é preciso pensar de maneira mais simples e refletir sobre o que fomos durante treze anos e o que somos agora. O caráter subjetivo da análise dá uma resposta inequívoca.
Para superar a crise, o brasileiro precisa superar os seus limites de compressão da política não como ela é contada nos meios de comunicação de massa. É preciso sair do invólucro secular não percepção social; os trabalhadores precisam entender a sua situação, assim como todas as classes menos favorecidas da sociedade. De outro modo não será possível lutar. Cada um deve ter em conta que não resta muita coisa a fazer senão lutar.
Mailson Ramos é relações públicas e editor do site Nossa Política.