Como Deus pode existir se há tantas crianças condenadas à fome, à doenças incuráveis, à crueldade dos adultos? Por que Deus permite tanta violência, corrupção, homicídios e suicídios? O silêncio de Deus nos incomoda. Até Jesus experimentou o silêncio de Deus: “Meu Pai, meu Pai, por que me abandonaste?” (Mt 15,34).
Certa vez, indignado com o silêncio de Deus perante tanta injustiça, um homem entrou em uma igreja e, junto ao altar, pôs-se a gritar: Tanta maldade no mundo, e o Senhor não faz nada? Não reage à violência, à miséria, a tanto sofrimento de suas criaturas?”. Deus quebrou o silêncio e respondeu: “Eu já fiz”. “Como fez?” “Fez o quê?”, indagou o homem revoltado. “Fiz você”, disse Deus.
Não devemos esperar que Deus intervenha continuamente em nosso favor. Ele pede que confiemos em sua providência (Mt 6,25), mas a Divina Providência costuma agir através das criaturas e acontecimentos. Um provérbio oriental afirma: “Confia em Deus, mas amarra teu camelo”.
Podemos esperar milagres de Deus, mas devemos utilizar os recursos ordinários para resolver nossos problemas. Ajuda-te que Deus te ajudará, afirma a sabedoria popular. Devemos rezar para uma boa colheita, mas também é nossa obrigação lavrar e cuidar bem da plantação. Podemos pedir a saúde a Deus, mas devemos cuidar da saúde, prevenindo doenças. Quantos alimentos e bebidas colocamos em nosso corpo que são verdadeiros venenos!
Se a humanidade não vai bem, se existem guerras, infanticídios, fome, doenças, não podemos culpar Deus ou pedir que Ele mesmo resolva esses problemas. Deus nos deu inteligência e vontade para que resolvamos as dificuldades. É através de nós que Deus age. Muitas vezes perguntamos: por que Deus permite? Esquecemos que nós mesmos causamos os males, pela ação direta ou pela omissão.
Tudo deve ser visto através da fé, mas ela é um dom de Deus e muitos não o receberam. O importante é que a pessoa viva, ainda que sem fé, os valores humanos, que coincidem com os valores cristãos: amor ao próximo, justiça, paz, solidariedade e perdão. Jesus enfatizou que muitos que não crêem e abraçam tais valores haverão de perguntar: “Quando te vimos com fome e te demos de come?” E o Senhor dirá: “Todas as vezes que fizeste isso ao menor dos meus irmãos, a mim o fizeste” (Mt 25,37-40).
+ Itamar Vian
Arcebispo Emérito