O combate ao crescimento do número de homicídios de crianças e adolescentes na Região Nordeste, que teve um salto em 2017, passa, na avaliação do coordenador do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Fortaleza, Rui Aguiar, pela discussão e implementação de um novo pacto federativo, que tenha como prioridade a proteção social e não apenas a segurança pública.
Ao comentar as conclusões do relatório Cada Vida Importa, que, entre outros pontos, constatou que, nos sete primeiros meses do ano, a cada 24 horas, um adolescente com idade entre 10 e 19 anos foi assassinado em Fortaleza, Aguiar ressaltou a necessidade de que as políticas públicas sejam integradas e compartilhadas entre os governos federal, estaduais e municipais.
Além da política de segurança, o represente do Unicef afirmou ser necessário ampliar a política de proteção social. “Esse é um fenômeno de hoje, mas está muito relacionado a consequência de políticas públicas que não foram adotadas no tempo certo. E algumas dessas políticas continuam não sendo adotadas hoje e as condições e vulnerabilidade continuam sendo criadas”, disse à Agência Brasil.
Segundo ele, pesquisa feita sobre o perfil dos adolescentes mortos em 2015, constatou que eles eram, principalmente, filhos de mulheres jovens, que engravidaram na adolescência. “Veja que ele é vítima de homicídio hoje, mas a mãe e a própria comunidade sofreram a ausência de outras políticas pública lá atrás. A mãe abandonou a escola ou não tinha disponibilidade de creche. Alguns serviços faltaram há 12, 13 anos”, observou.
De acordo com o representante da Unicef, a pesquisa identificou ainda que os adolescentes mortos violentamente haviam abandonado a escola há mais de seis meses, não tiveram oportunidade de renda e de emprego a partir dos 14 anos e sofreram ameaças que não foram notificadas ou não foram investigadas. Além disso, a causa da morte não foi devidamente apurada.
O relatório, elaborado pelo Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, da Assembleia Legislativa do estado, mostra que a maioria das mortes segue um padrão: jovens do sexo masculino, negros e moradores das áreas periféricas da cidade.
“De certa maneira, é preciso rever o pacto federativo que existe em torno da política de proteção social e de segurança pública. Isso passa por financiamento, cooperação técnica, atividade conjunta, sistema de monitoramento, capacidade de planejamento e técnico. Uma série de assuntos que deveriam ser objeto de um novo pacto federativo na área da proteção social e da segurança pública”.
Nordeste
Rui Aguiar afirmou à Agência Brasil que, apesar de o relatório da assembleia cearense se restringir à realidade do estado e da capital Fortaleza, o crescimento do número de homicídios de forma geral e de crianças e adolescentes é uma realidade de toda a Região Nordeste.
“Esse é um quadro que, embora Fortaleza seja uma das cidades mais afetadas, não é exclusividade dela. Nos últimos anos, têm ocorrido um fenômeno de nordestinação da violência, com crescimento do número de homicídios em geral e, particularmente, de homicídios na adolescência. Temos que reconhecer que o problema em Fortaleza é bastante grave, mas que não é exclusivo da cidade, e que hoje é um fenômeno em outras capitais da região”, afirmou.
Além do conflito entre facções criminosas, que tem migrado da Região Sudeste para a Nordeste, Aguiar atribuiu o crescimento das mortes violentas ao um quadro de vulnerabilidade social das periferias das capitais nordestinas. “São áreas em que a condição de vida produz uma imensa vulnerabilidade. Além do perfil que já conhecemos [das vítimas], temos que destacar o de desigualdade social”.