Existe um ditado popular que a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional. É um monte altruísta, porém não condiz com a realidade de quem sofre as mazelas do abandono, da ausência de proteção diante de uma crise econômica gerada por propósitos políticos vis e vaidades alicerçadas pela sede de poder. Esta crise que é mantida por um projeto antipopular e genocida, apresenta a cada dia mais um bojo no poço da indigência humana no Brasil.
O sofrimento persegue as existências em espectros fantasmagóricos de ausência do Estado. Não há nada mais doloroso do que ver uma criança nos semáforos ou um idoso esgueirando-se para dormir nos bancos dos pontos de ônibus. São marcas de uma mazela social que a memória não pode apagar. Porque dói e inevitavelmente faz sofrer. Nenhuma condição é mais desumana do que a incapacidade de sensibilização de uma sociedade diante de feridas tão severas como fome e o abandono.
Num país onde bancos cobram juros escorchantes, e se regozijam com lucros bilionários, boa parte da população luta com unhas e dentes para sobreviver com dignidade. A outra parte, abandonada pelo Estado e pela sociedade, se esgueira nas calçadas, praças, em frente às igrejas e, com muita sorte, em albergues. Nestes espaços, a dor cruenta faz a vida ser amarga, sem propósitos, senão pela naturalidade do direito enviesado de sofrer, ou, talvez, o dever de resignar-se.
Nas calçadas de Salvador, um exército de cidadãos abandonados à própria sorte, rasteja na iminência da invisibilidade. Homens, mulheres e crianças não vistos por uma sociedade que, regada pelo ódio de classe, perdeu o senso de indignar-se contra injustiças e desigualdades. Sob o céu da capital baiana – e de todas as grandes cidades do país – vegeta uma população sem rostos, sem identidade, um aglomerado de desabrigados que são as vítimas primeiras de um governo sanguinário.
Enquanto políticos reacionários e incapazes debatem o conteúdo curricular e cogitam a ideia de uma escola sem partido, muitas crianças fora da escola. Em vez de carregar livros e mochilas, boa parte destas crianças arrasta um isopor com picolés, ou uma caixa com doces para, como dizem, ajudar sustento da família; em seus rostos vê-se evidente o sofrimento que não é opcional. Estas crianças não tiveram escolha, não puderam dizer, ao amanhecer, que queriam estar na escola.
Muitos dos pais e mães tiveram os seus benefícios cortados; muitas destas famílias perderam auxílios providenciais para a manutenção da sobrevivência, ou pelo menos, para sobreviver dignamente. De igual modo, pais desempregados apelaram para uma prática comum de um tempo em que, imaginava-se, não voltaria mais: levar crianças para as ruas e pedir esmolas. É doloroso ver e imaginar as marcas que esta crise deixará em toda uma geração que poderia ser promissora. O governo que aí está rasgou as páginas de um futuro próximo como quem tinha o direito nefasto de decidir o destino nação usando a cartilha dos mais poderosos.
Homens e mulheres idosos que trará ligaram a vida inteira jazem nos pontos de ônibus, nas escadarias, no abandono coercitivo: pelas mãos de uma família pouco amável. Atirados nas duas sem piedade estes idosos enfrentam a indignidade de desrespeitoso. Diz outro ditado famoso que a velhice é a coroa dos justos. Se isso for verdade, no Brasil muitos idosos são injustiçados, abandonados, tratados como animais. Não é necessário comoção sem razão. O brasileiro precisa entender os motivos da crise e condoer-se com aqueles que foram retirados da malha de proteção social, com a destruição dos direitos dos pobres para encher cada vez mais os bolsos de uma elite sanguessuga e tacanha.
Renegar neste momento a luta de classes é colocar mais uma demão de verniz de mentira sobre a realidade brasileira. As elites estabeleceram com o seu poder um modelo de economia neoliberal e de austeridade somente contra os trabalhadores. Enquanto isso, o Judiciário reajusta os próprios salários, concedendo auxílio-moradia a juízes que tem casa própria. O problema é o Bolsa Família de R$ 89 e não o teto do judiciário de R$ 39.300. Vive-se no Brasil a realidade do esmagamento da população mais pobre, massacrada desde sempre; enquanto isso, privilegiados meritocratas dançam suas valsas sobre esqueletos.
O país está mergulhado num vale de lágrimas que não se dissipam com medidas de austeridade parciais. O povo já não tem mais nada a oferecer. Enquanto os poderosos usufruem de nababescos banquetes, crianças nascem mortas. Enquanto bancos e financeiras lucram bilhões por ano, quem paga os seus juros vive a dor de não ter o que comer. O discurso anticorrupção foi bonito somente no espectro da mídia. Setores inteiros da economia foram destruídos em nome de um punitivismo seletivo e da inacabável busca por holofotes.
A crise é um dos resultados da ânsia por derrubar um governo, sob a falsa ideia de que assim todos os problemas seriam resolvidos. Não foram e estão mais profundos do que nunca. A corrupção é um mal que precisa ser combatido. Mas a mãe de todos os males é a desigualdade social. Em pleno século XXI, o país volta a ver crianças morrendo de fome, enquanto uma elite predatória finaliza o ano com lucros exorbitantes. Dores e sofrimentos inevitáveis. Enquanto cada brasileiro não lutar contra isso, será inevitável não sentir dor e não sofrer com cada injustiça e cada injustiçado deste país de poucos.
Mailson Ramos é relações públicas e editor do site Nossa Politica.