A religião foi o instrumento geral para a libertação social nos dias do Arraial de Canudos, onde a lei, a ordem e a manutenção eram geridos pelo messiânico Antônio Conselheiro que no ano de 1893, proscrito, fora da lei, perseguido pelos coronéis e pelos políticos decidiu acabar sua peregrinação pelos sertões nordestinos e se plantar às margens do Vaza-barris no pequeno arraial de Canudos. Ali montou seu Shangri-La batizado de Belo Monte.
Com o tempo o arraial foi se firmando e os pobres do lugar passaram a produzir e a ter uma melhor condição de vida, o que chamou a atenção dos famélicos e desabrigados pelos anos contínuos de seca. Quem chegava era recebido pelo conselheiro e ele passou a ser um santo num lugar santo. Uma espécie de redentor. Uma espécie de enviado. Uma espécie de socialista. Antônio Conselheiro com seus sermões autodidatas atraia cada vez mais fiéis que se transformaram em fanático e Canudos à época com mais de 25 mil habitantes era a maior cidade da Bahia depois de Salvador. Eram índios, escravos e sertanejos.
Hoje a política é um instrumento geral para a libertação no grande arraial que é o Brasil e estamos vivendo a era de novos Conselheiros, os messiânicos Lula e Bolsonaro, com suas levas de fanáticos que disputam tapa a tapa, ofensa a ofensa o lugar na vida e na alma destesneo-conselheiristas. Lula está mais vivo do que nunca regendo o Partido dos Trabalhadores de dentro da sua movimentada cela e seu espectro cerca as eleições com seus assombrosos 40 por cento de intenção de votos. É ainda a consequência do Bolsa Família – uma evolução do Bolsa Escola de dona Ruth Cardoso (mulher de FHC) – que tirou milhões da miséria absoluta e atraiu os pobres, os negros, os índios e os sertanejos para a aldeia petista. E os apaixonados pensam na volta da bonança.
Bolsonaro está cada vez mais vivo e é o contraponto ao socialismo, mas conseguiu transformar o direitismo também numa religião em que promete, aponta, transformar nossa aldeia tupiniquim num paraíso de ordem e progresso, com a volta dos velhos tempos em que se podia andar pelas ruas na madrugada, de seresteiros, boêmios, namorados e passeios ao luar sem ser morto, sem levar uma bala perdida. Em que se vai poder usar o celular na rua sem ser assaltado. Sem bancos sendo atacados a dinamite e com os trabalhadores, donas de casa e estudantes podendo seguir para suas atividades sem tiroteio. O fim também da corrupção. OP fim do desemprego.
O que temos hoje é uma espécie de fanatismo. Lula e Bolsonaro transformando a política em religião, numa disputa por espaço como hoje fazem as igrejas evangélicas e a Igreja Católica e no qual as duas atacam as outras vertentes religiosas visando sua aniquilação total. E quando se sabe que existe fanatismo, está claro que inexiste o pragmatismo e a perda da consciência plena. Fanatismo é obsessão que gera extremismos e intolerância. Cega. Apaixona e adoece.
Quem acredita em Lula e Bolsonaro é capaz de acreditar na volta de Dom Sebastião, aquele imberbe rei de Portugal que morreu nas Cruzadas e que é esperado até hoje pelos sebastianenses de Portugal e do Nordeste. E que vai chegar sob o som de trombetas, em belos alazões para matar a fome e oferecer proteção. Valha-nos Dom Sebastião.
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