Minha mãe vive dizendo: “na vida a gente não só faz o que quer”. Por mais que essa frase tenha me aporrinhado na infância (e ainda venha à tona frequentemente nos dias atuais), não há como negar sua veracidade. Realmente, no desenrolar do nosso dia-a-dia, somos obrigados a fazer coisas que não queremos fazer. O grande problema é quando passamos a só fazer o que a gente não quer.
Viver em sociedade exige submeter-se a algumas convenções. São leis, costumes e comportamentos que devem ser observados por todos para que o dia-a-dia não se torne um caos ainda maior. Adequar-se a tais convenções, pelo próprio caráter de obrigatoriedade da coisa, representa bem a ideia de não só fazer o que se quer.
Nesse contexto, acho válido fazer referência a ideia dos gregos antigos – Platão, em especial – sobre o desejo. Para o filósofo, amar é desejar. Amamos o que desejamos e desejamos o que não temos. Complexo, não? Mas talvez essa ideia platônica nos ajude a perceber a importância de fazer o que não se quer.
É importante querer alguma coisa. Isso nos impulsiona, nos dá energia pra labuta diária. Enquanto houver desejo, haverá amor. É por isso que fazer o que não queremos é importante: para manter desejo pela vida. Ter que lidar com situações indesejáveis é uma oportunidade de aproveitar melhor as experiências. E, como diria Belchior, “amar e desejar as coisas me interessa mais”.
Por outro lado, tenho a nítida sensação de que fazer apenas o que não queremos não é nada bom. Dar uma leve provocada no desejo pode ser legal. É atiçar uma brasa para acender a fogueira da vida. Porém, a partir do momento em que os desejos são totalmente negligenciados, a coisa muda de figura. Somos consumidos pelo fogo, até sermos reduzidos a cinza. Será que todo mundo tem uma fênix dentro de si?
Quando o desejo é totalmente colocado de lado, a vida se torna uma resiliência estranha. As inúmeras possibilidades que a existência oferece se transformam em um open bar de bolachas integrais. Mais do mesmo, repetidas vezes. É comer só para matar a fome. É dormir para que o tempo acelere. É uma aceitação tão cruel que o indivíduo esquece que está fazendo algo que não quer.
Viver uma vida sem o mínimo de realização pessoal é triste. Em verdade, acredito que a infelicidade causada por isso é uma forma de inferno na Terra. A apatia é tão grande que tudo que resta àquela pessoa, que só faz o que não quer, é reclamar e ser razinza.
Então, o que proponho é uma resiliência moderada. Inevitavelmente vamos precisar fazer coisas que não queremos. Por outro lado, precisamos nos esforçar para agregar a nossa rotina algo que nos dê energia. Todo dia. E não precisa ser nada muito grandioso. Faça qualquer coisa que você goste de fazer. Só não permita que essa ideia cruel e forçosa de que precisamos nos dedicar a todo instante a nossas obrigações profissionais/ acadêmicas/ amorosas tome conta de você.
A gente não só faz o que quer, mas não pode fazer só o que não quer.
Rafael Verdival – Advogado