Semana passada eu tirei uma blusa de frio das profundezas do armário. A queda da temperatura coincidiu com a ascensão do mês de junho. A junção disso tudo só significa uma coisa: o São João está chegando!
Devidamente agasalhado, fui dar uma olhada nas redes sociais. Deparei-me com um anúncio de uma festa “junina” fechada que contaria com Léo Santana, Parangolé, Gusttavo Lima e outros.
Fiquei reflexivo.
Não é apenas o aspecto musical que me soa estranho, afinal essa é uma questão tão particular quanto escolher entre Sorriso do branco e Colgate do vermelho. O que me aflige é a indiferença com as peculiaridades da época e o anseio da grande massa por mais do mesmo. Vou explicar.
Sou entusiasta do São João e tudo que essa época representa.Forró, bandeirola, fogueira, licor e tudo mais. Mais do que uma festa, sempre me pareceu ser uma manifestação cultural. Algo de identidade mesmo. De certa forma os festejos (não apenas a festa) juninos representam bem a construção identitária nordestina. E eu acho isso maravilhoso.
A vivência dessa experiência cultural agrega algo à nossa natureza. A fogueira, o forró, as comidas, o licor, a bandeirola. Tudo isso faz parte do contexto do São João e une pessoas. Certas tradições são importantes para um povo, e só dependem desse próprio povo para existir.
A congregação que festejos populares proporcionam tem força suficiente para amenizar as segregações diárias que uma sociedade fragmentada impõe. Essa união, por sua vez, decorre do fato de indivíduos se identificarem como pertencentes ao Nordeste e se sentirem satisfeitos com isso. Além disso, traz uma sensação tão boa.
Foi pensando nisso tudo que fiquei bolado com a propaganda da festa fechada. Dei uma rápida pesquisada e percebi que existem várias, na mesma pegada, rolando em vários lugares da Bahia durante o mês de junho, todas com as mesmas atrações. Nada contra as festas fechadas – de verdade. O que me deixa aflito é o fato de festas como essas, que ocorrem durante – literalmente – todo o ano, estarem se tornando preferência também durante o São João.
Justamente pela recorrência dessas festas, bem como pelo estilo que é próprio às atrações dessa pegada, é que há um inquestionável rompimento cultural. A selfie usando chapéu de palha e roupa quadriculada não faltam. O “stories” dançando forró também não. Porém, minutos depois, o paredão está comendo no centro.
São geralmente 04 dias que temos para falar um pouco mais de coração e menos de bunda. Mesmo assim, preferimos continuar aproveitando divertimentos padronizados e perecíveis que, embora necessários, estão disponíveis durante todo ano. Por que não aproveitar um pouco dessa energia diferente que só acontece em junho?
Eu tenho muito medo da fogueira junina se apagar. Principalmente porque o público de festas fechadas é muito jovem. Esses jovens, por sua vez, estão cada vez mais indiferentes ao valor cultural que o período junino tem. Tenho medo de ser obrigado a viver num mundo de tendências forçadas e de comemorar quando ver uma banda de forró “raiz” nas atrações de uma festa junina.
Felizmente, vejo muita gente que – como eu – ainda fica ansiosa pra ver a fogueira arder e o forró bater. Quem sai do interior e vai pra cidade grande fica doido pra chegar a hora de tirar a blusa de frio do armário e descer pra casa, às vezes enfrentando mais de doze horas de engarrafamento para isso. É algo diferente, forte e verdadeiro. Até o clima (literalmente) é único. Uma aura lunar na terra do Sol que castiga.
São João faz bem, mas não apenas porque é festa. Faz bem porque há uma construção de identidade. Faz bem porque a fogueira aquece o coração. Faz bem porque invoca o amor. O São João representa algo bom, desde as festinhas na escola até o som agradável de um forró tradicional.
Às festas fechadas e seus representantes, meu total respeito. O resto do ano é de vocês. Mas enquanto houver uma fogueira queimando, estarei comendo milho e bebendo licor. Do traque ao amendoim. Da batida da zabumba à batida do coração.
Rafael Verdival – Advogado