Com mais de 31 mil habitantes, a Comarca de Cipó no semi-árido baiano corre o sério risco de ser desativada pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia sob a alegação de dificuldades orçamentárias e financeiras impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, LC nº 100/2000, e com o argumento da diminuição do número de processos.
O Processo Administrativo Nº Tribunal de Justiça – ADM 2018/65027 que trata da Desativação de Comarcas traz inúmeras divergências quanto aos números de processos apresentados, bem como não leva em conta aspectos socioeconômicos e socioculturais que envolvem os municípios de Cipó e Ribeira do Amparo, segundo relatou o advogado Alberto Dantas de Macedo.
De acordo com o jurista, Processo Administrativo acima mencionado, a Comarca de Cipó poderá vir a ser aglutinada à Comarca de Nova Soure a qual já atende uma população estimada em mais de 24 mil pessoas, conforme dados do IBGE (2018).
“A Comarca de Nova Soure fica localizada a 16 KM da sede da Comarca de Cipó e 28 KM da sede do município de Ribeira do Amparo. Mas, devemos levar em conta, também, a distância entre os povoados de Ribeira do Amparo à sede da Comarca de Nova Soure que pode chegar a quase 70 KM. Como é o caso do povoado de raspador, que já está na divisa com o Estado de Sergipe e fica a quase 50 KM para a sede do Município de Cipó e mais 16 KM para Nova Soure. O que fica evidente de imediato é o brutal prejuízo ao acesso e até mesmo à acessibilidade dos jurisdicionados à Justiça”, explicou o advogado.
“É um verdadeiro retrocesso à população que já enfrenta diversos problemas socioeconômicos nos seus mais elementares direitos. Estamos tratando de uma população que sofre as agruras ligadas ao subdesenvolvimento humano e que ainda não teve os direitos de segunda geração inteiramente garantidos pelo Estado brasileiro. Ribeira do Amparo,com uma área territorial de 667,335 Km², com população estimada, no ano de 2018, em catorze mil, oitocentas e quarenta e três pessoas, enfrenta um IDHM ( Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) de 0,512 e índice de Gini (cálculo usado para medir a desigualdade social) de 0,36 de acordo com dados extraídos do site do IBGE”, ressalta Macedo.
Ainda de acordo com o advogado, no que se refere ao trabalho e rendimento, o município de Ribeira do Amparo amarga números sofríveis. Em 2017, a proporção de pessoas ocupadas em referência ao número total de pessoas era de apenas 8,9%. Ocupando a posição 208 dos 417 municípios da Bahia e 3607 entre os 5570 municípios brasileiros. Levando em conta os domicílios com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa, tinha 58,6% da população nessas condições. Ficando na 6ª no Estado e 92ª dentre as cidades do Brasil.
“Estes números representam uma massa salarial bastante aquém do necessário para o atendimento do mínimo existencial e não conseguem impulsionar, economicamente, o próprio município e a região na qual está inserida. Ainda, podemos destacar os números da saúde que coloca o município dentro de uma taxa de mortalidade infantil de 10,42 para cada 1.000 nascidos vivos. Além do baixo índice de domicílios com esgotamento sanitário que atende apenas 1,1% dos domicílios de forma adequada.
O advogado também fez referencia ao município de Cipó, que segundo ele abriga a Comarca com este mesmo nome, não se pode esquecer a sua importância sociocultural e histórica. Município que já ostentou o título de Estância Hidromineral a partir do ano de 1935, com alto poder curativo, e foi considerada área de segurança nacional no ano de 1964.
“O que causa muito estranhamento é que o art. 4º da Lei estadual nº 13.737, de 05 julho de 2017, alterou a Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia e fixou o número de dois juízes para a Comarca de Cipó que se quer foi implementada. O fato é que o número de processos protocolados na Comarca de Cipó aumentou de
forma significativa e fechar a referida Comarca é negar acessibilidade à justiça para mais de trinta e uma mil pessoas. Tendo em vista que o fato de existir o acesso à justiça nem sempre se traduz em acessibilidade, sobretudo diante das condições geográficas e socioeconômicas acima narradas” ressalta.
Para Alberto Dantas os dados socioeconômicos do município de Cipó não são animadores. A taxa de mortalidade infantil de 23,57 de óbitos por mil nascidos vivos, segundo informações do
IBGE no ano de 2017 e o IDH de 0,601, ano de 2010, colocam o município em situação muito delicada.
Ele chama atenção também para o que se refere aos índices de criminalidade ao informar que de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia – SSP/BA, estão acima do que prevê a Organização das Nações Unidas. “Além do que foi dito acima, não podemos nos esquecer da pessoa física do Juiz que ficará deveras assoberbado com a carga de Ações Judiciais que poderão advir da agregação da Comarca de Cipó à Comarca de Nova Soure, que também é a competente pela 79ª Zona Eleitoral composta pelos três municípios em comento”.
“É imperioso dizer que, com a Reforma da Previdência, segundo norma programática insculpida no § 3º, do art. 109 da Constituição Federal, já aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados, as causas que tenham como parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e julgadas na justiça estadual. Portanto, o potencial para aumentar as ações na Comarca de Cipó e em todas as Varas estaduais quando a Comarca do domicílio do segurado não for sede de vara federal é enorme”.
“Quanto ao município de Nova Soure podemos afirmar que possui uma população que sofre com problemas sociais muito parecidos com os dos municípios de Cipó e Ribeira do Amparo e, ainda por cima, enfrenta dados de violência estarrecedores. A violência enfrentada por Nova Soure choca pelos seus números alarmantes. Os dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia – SSP/BA, dos anos de 2016, 2017 e 2018 são contundentes nesta afirmação e registraram 16, 09 e 18 homicídios dolosos, respectivamente”. afirma o advogado.
Por fim, Alberto Dantas afirma que a própria Lei de Organização Judiciária do Estado da Bahia não deixa dúvida de que o caminho a ser seguido é o da ampliação do número de juízes e servidores para atender a Comarca de Cipó e as demais. Nesse sentido, o fechamento de uma Comarca, bem como a agregação de demandas à outra, deve levar em conta aspectos sociais, culturais, econômicos, geográficos e humanos. Não apenas questões que dizem respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal ou diminuição do número de processos, que não é o caso.
“Os Jurisdicionados necessitam muito da presença de um Poder Judiciário forte que efetive plenamente os seus direitos que constantemente só se concretizam com a atuação dos servidores e dos juízes comprometidos em fazer justiça”, finalizou o advogado.
Vale salientar que todos advogados da Comarca de Cipó, composta pelo município de Ribeira do Amparo, Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado da Bahia (SINPOJUD), estão empenhados para o não fechamento da Comarca.