A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) emitiu Nota Pública repudiando a portaria publicada pelo governo do Estado, na última segunda-feira (9) no Diário Oficial. A portaria cria a possibilidade de entidades como Organização Social administrar escolas estaduais em Salvador, Alagoinhas, Ilhéus e Itabuna.
Na nota, a CNTE “expressa veemente repúdio ao Projeto de publicização dos serviços de suporte administrativo e operacional no âmbito das Unidades Escolares Estaduais da Bahia, que caracteriza a privatização de parte expressiva das atividades escolares e a terceirização de funções exercidas por professores e funcionários administrativos da educação”.
A APLB-Sindicato também já se manifestou contra a portaria e garantiu que irá cobrar explicações ao secretário estadual de Educação, Jerônimo de Souza.
“Nós somos contra qualquer tipo de privatização da Educação pública. Como Bolsonaro está fazendo no Future-se, qualquer que seja o governo que fizer a mesma coisa, nós seremos contra. Vamos sentar com o secretário para questionar a decisão. Não admitimos a possibilidade de qualquer tipo de privatização ou terceirização da Educação em todas as instâncias”, disse o coordenador-geral da APLB, Rui Oliveira.
Veja abaixo nota completa da CNTE:
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, entidade representativa de mais de 4,5 milhões de trabalhadores/as das escolas públicas de nível básico no país, expressa veemente repúdio ao Projeto de publicização dos serviços de suporte administrativo e operacional no âmbito das Unidades Escolares Estaduais da Bahia, que caracteriza a privatização de parte expressiva das atividades escolares e a terceirização de funções exercidas por professores e funcionários administrativos da educação.
O Projeto baiano, que se assemelha a outros em andamento em algumas unidades da federação, ganhou status de legalidade em 2015, quando o Supremo Tribunal Federal julgou em definitivo a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 1.923, de autoria do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido Democrático Trabalhista (PDT), contra a Lei 9.637, de 15 de maio de 1998, aprovada em meio às políticas neoliberais do então governo Fernando Henrique Cardoso. Um dos alvos da ADI foi o art. 1º da referida norma, in verbis:
Art. 1o O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei. (g.n)
Não obstante o STF ter declarado a constitucionalidade da Lei das Organizações Sociais (OSs), o debate político sobre as formas de organização do Estado continua orientando as disputas de projetos de Nação em nosso país, sendo que os setores progressistas da sociedade – onde o PT e o PDT historicamente se encontram –, defendem a implementação de um Estado promotor do desenvolvimento sustentável, democrático e de rompimento com práticas patrimonialistas; onde a educação e o social sejam indutores do crescimento; um Estado permeável às demandas dos movimentos social e sindical, do povo em geral, e que estabeleça espaços institucionais de negociação com a sociedade civil, apostando no seu fortalecimento e na busca pactuada de uma nova hegemonia e de um novo modelo soberano apartado dos interesses meramente privados.
A ADI 1.923, que não encontrou eco no STF para julgamento antes de 2015, defendia que a Lei 9.637 se tratava de um “processo de privatização dos aparatos públicos por meio da transferência para setores não estatais dos serviços nas áreas de ensino, saúde e pesquisa, dentre outros, transformando-se as atuais fundações/órgãos públicos em organizações sociais”. Também ressaltava que tais organizações poderiam, através de ato do chefe do Poder Executivo e de um contrato de gestão, absorver atividades que antes eram de instituições integrantes da administração, além de gerir e aplicar recursos a ela destinados na lei orçamentária “sem, todavia, submeter-se às limitações estabelecidas para as entidades administrativas estatais”.
Os dois partidos autores da ação sustentavam que a norma, de forma evidente, tentava afastar a prestação de serviços do núcleo central do Estado. “Tudo mediante um modelo mal-acabado de transferência de responsabilidades públicas a entes privados. Entes que, por não prescindirem da atuação subsidiária do poder público, terminam por se transmutarem pessoas funcionalmente estatais, porém despidas da roupagem que é própria do regime de direito público”.
Observa-se, portanto, na mencionada disputa jurídica travada pelo partido político do atual governador da Bahia, uma defesa intransigente de modelo de Estado provedor do desenvolvimento inclusivo e democrático, à luz dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Sobre os aspectos específicos do Projeto de Privatização e Terceirização das escolas públicas baianas, o Governo parte do princípio de que os agentes públicos e suas instituições não possuem competência suficiente para administrar e gerir as escolas públicas. Com isso, abre mão de investir na formação dos profissionais e em canais de diálogo entre educadores, gestores e sociedade, com vistas a fortalecer os conselhos escolares e os órgãos de controle social das verbas públicas.
A gestão democrática da educação, princípio consagrado no art. 206, VI da Constituição Federal e em várias legislações de âmbito nacional, estadual, distrital e municipal, é tolhida para dar lugar a agentes de direito privado, supostamente mais eficientes.
Contudo, a verdadeira intenção do projeto se mostra evidente tanto na minuta de publicização dos “serviços educacionais” quanto na nota pública da Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Ambos os documentos priorizam a contratação de pessoal e de serviços administrativos e operacionais sem a necessidade de concurso e licitação. Pior: admite a terceirização integral do quadro de pessoal administrativo e abre espaço para a contratação de professores mediante contratos intermitentes, entre outros previstos na CLT, sem direito ao piso da categoria e às progressões no plano de carreira.
Além de retirar direitos e de rebaixar as condições de trabalho dos/as educadores/as das escolas públicas estaduais, o Governo da Bahia aponta para um cenário de ruptura com princípios da valorização do trabalho escolar e da qualidade da educação, pois parte dos profissionais será terceirizada (funcionários/as da educação) e nada garante que haverá renovação periódica do quadro docente através de concurso público. Se hoje a minuta das OSs aponta para a terceirização “temporária” de professores/as, mais à frente poderá ser utilizada como regra geral para a contratação de pessoal na rede de ensino.
Outro agravante: a substituição de concurso público por contratos celetistas, com regras frágeis para admissão, exporá novamente as escolas a interesses de grupos políticos, econômicos e ideológicos, fomentando a perseguição a educadores e ofendendo os princípios da moralidade e da impessoalidade.
Em relação à contratação de insumos, o discurso da desburocratização não encontra guarida na crescente autonomia financeira e administrativa das escolas para gerir suas demandas. Portanto, reiteramos que mais vale investir nos profissionais da educação e nos canais de diálogo com a sociedade, a fim de resolver as questões da educação, do que remeter a grupos privados o interesse público escolar.
Por fim, destacamos a imperiosa necessidade de o país avançar na regulamentação do Sistema Nacional de Educação, do Custo Aluno Qualidade e nas políticas de Valorização dos Profissionais da Educação (Piso, Carreira, Jornada, Formação e ingresso por Concurso Público), como forma de contrapor os interesses economicistas das administrações públicas e a ganância de agentes privados travestidos de OSs, bem como daqueles que defendem a instituição de vouchers e outras formas de privatização da educação pública.
A CNTE se manterá atenta e contrária a essa e outras propostas de gestores públicos que contrariam os princípios da educação emancipadora, libertária, democrática, gratuita, universal, plural, laica, desmilitarizada e de qualidade social para todos e todas.
Brasília, 16 de setembro de 2019
Diretoria da CNTE