Basta ler o que se escreve nos jornais sérios, por colunistas respeitados e atinados, para se saber que uma fração dos brasileiros não vê que a esquerda brasileira está esfacelada, e busca incitar as Forças Armadas a uma nova aventura em direção à tomada do poder, mas que democratas de fardas se opõem à politização dos militares. Mais grave: acham que os militares que estão no governo entraram numa esparrela sem par.
No sábado passado os militares da reserva voltaram a emitir nota criticando o ministro do STF Celso de Mello. A reação começou depois que ele disse que generais do Planalto que deveriam depor como testemunhas no caso poderiam ser conduzidos “debaixo de vara” caso fosse necessário. O novo documento afirma que “ninguém entra nas Forças Armadas por apadrinhamento” ou atinge postos na carreira por ter “um palavreado enfadonho, supérfluo, verboso, ardiloso, como um bolodório de doutor de faculdade”.
Para muitos soldados e para analistas da sociedade civil, é uma pena a perda da boa imagem, que sofreram vários dos comandantes respeitados, muitos considerados verdadeiros heróis. E citam o perfil de alguns que caíram no “canto de Ossanha” e estão sendo fritados pelas atitudes repreensíveis do presidente Jair Bolsonaro. O general Augusto Heleno, tido e havido como um dos mais ilustres do Exército, notadamente por sua como comandante militar da Missão das Nações Unidas no Haiti, comandando mais de seis mil Capacetes Azuis (ONU), de treze países. Hoje, no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ajuda a “incendiar” o ambiente política como fiel escudeiro de Bolsonaro. Boa parte dos militares estão frustrados com ele.
Outro de destaque no Exército Brasileiro é o general Eduardo Pazzuello, que atuou na coordenação das tropas do Exército nos Jogos Olímpicos de 2016 e coordenou a “Operação Acolhida”, que cuida de refugiados da Venezuela, muito respeitado pela tropa. Agora como ministro da Saúde serve como esteio para as veleidades de Bolsonaro e sua postura antidemocrática até com a tentativa de maquiar informações sobre as mortes pelo Covidd-19.
O jornal The New York Times, o mais influente do mundo, publicou reportagem mostrando preocupação com as ameaças de golpe militar feitas por Bolsonaro em meio ao crescimento do número de mortes pela covid-19. “As ameaças estão girando em torno do presidente: as mortes por vírus no Brasil são agora as mais altas do mundo. Os investidores estão fugindo do país. O presidente, seus filhos e aliados estão sob investigação. Sua eleição pode até ser anulada”, diz o NYT.
Ressalta o que vem sendo dito já há algum tempo pela própria imprensa brasileira, que o presidente e aliados usam a perspectiva de intervenção militar para “proteger seu poder”. E que a crise está tão intensa que militares dos mais poderosas do Brasil vêm alertando para a instabilidade que podem desmantelar a maior democracia da América Latina. Está lá no informe. E lamenta a imagem negativa do país no exterior em meio aos discursos e atos de Bolsonaro em relação à crise da covid-19 e sua participação em protestos antidemocráticos.
Certo é que o Brasil tem, proporcionalmente, mais militares como ministros do que a fatídica Venezuela. Lembrando que lá, faz tempo, os militares abdicaram da neutralidade e são os fiadores de Maduro no poder, por interesses vários. Viraram uma casta. Recentemente a BBC, sediada em Londres, revelou que a cúpula militar se afasta do radicalismo de Bolsonaro, mas que estudiosos veem risco entre oficiais de média e baixa patente. Como o foi o presidente. O ministro da Defesa Fernando Azevedo, disse, em nota que “as Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade”. Para estudiosos das Forças Armadas esta manifestação revela afastamento da cúpula militar do radicalismo. Alguém disse: “Quem governa com a muleta dos militares, está inseguro no poder”.
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Escritor e jornalista