O Instituto Federal da Bahia (Ifba) desistiu de ofertar quase 5 mil vagas de pelo menos 21 cursos técnicos ou de qualificação profissional que estavam previstos para serem realizados nos anos de 2020 e 2021. A informação se tornou pública após o Ministério da Educação (MEC) solicitar da instituição a devolução de R$ 3 milhões devido a não implantação dos cursos. Outros R$ 2 milhões seriam pagos durante a realização das atividades, totalizando uma perda de R$ 5 milhões.
No total, estavam previstos a oferta de mil vagas para cursos técnicos subsequentes – voltados para alunos que já concluíram o ensino médio EAD. Outras 3.750 vagas seriam destinadas para 21 cursos de qualificação profissional ou formação inicial e continuada para mulheres em situação de vulnerabilidade social, como consta no documento do MEC. Segundo os servidores do Ifba ouvidos pela reportagem, essas vagas seriam para detentos em unidades prisionais e jovens em medidas socioeducativas.
Entre as aulas previstas estavam a de edição de vídeo, desenho de produtos gráficos web, agricultura florestal, fotografia, novos cursos que seriam ofertados pela instituição em 17 cidades baianas, 15 delas onde o Ifba ainda não estava presente.
As atividades educacionais em questão são frutos de uma proposta enviada à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do MEC (Setec) para o fomento à oferta de vagas em cursos de educação profissional e tecnológica. O Ifba concorreu com outras redes federais de ensino e teve seu projeto aprovado em dezembro de 2019. No mesmo mês, segundo o MEC, R$ 3 milhões foram descentralizados à instituição para viabilizar o início das aulas.
Porém, entre 2019 e 2020 o Ifba passou por uma mudança de gestão na sua reitoria. De 2014 a 2019, o reitor era o professor Renato da Anunciação Filho. A partir de 2020 assumiu o cargo a professora Luzia Matos Mota. De acordo com o MEC, a nova gestão ficou de estudar a viabilidade dos cursos e apresentar, até maio de 2020, uma proposta de reformulação, o que não foi cumprido.
Após seis meses do prazo estipulado, em novembro de 2020, a instituição baiana informou que a execução do projeto era inviável. Isso se deu em ofício enviado a Wandemberg Venceslau, secretário de Educação Profissional e Tecnológica do MEC. Na ocasião, a reitora Luzia Mota alegou inviabilidade financeira de executar o plano proposto pela gestão passada e impossibilidade de operacionalização.
“Os orçamentos levantados originalmente não contemplaram os custos com pessoal de administração. O valor empenhado também não contemplou os custos com assistência estudantil, diárias e passagens necessárias à execução das atividades. Não foi possível montar uma estrutura que atendesse o mínimo de qualidade para gerar o curso, mesmo sendo na modalidade EAD”, argumentou a instituição. Segundo os cálculos da nova gestão, seriam necessários R$ 6,5 milhões só para ofertar as 3,7 mil vagas dos cursos de qualificação profissional, ou seja, sem contar as mil vagas EAD. Com a desistência, no dia 10 de fevereiro de 2021, o MEC solicitou ao Ifba a devolução dos R$ 3 milhões pagos em 2019.
O objetivo do projeto, segundo servidores do Ifba com quem a reportagem conversou, era dar uma oportunidade aos detentos. “Na época, o reitor viabilizou o projeto para que os presos encontrassem vias de sair do sistema prisional, e também os jovens em medidas socioeducativas. E tudo isso foi impossibilitado”, conta uma das servidoras, que pediu para não se identificar.
Inicialmente, dois projetos foram submetidos pelo Ifba ao MEC, cada um com orçamento inicial de R$ 10 milhões. O Ministério, por sua vez, só pode repassar R$ 3 milhões, com a promessa de R$ 2 milhões a serem enviados no segundo ano. Pelo projeto, a falta de recurso não comprometeria sua execução, por conta das parcerias e convênios que o Ifba teria com prefeituras, Ministério Público da Bahia (MP-BA), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap).
O MP, porém, informou que não há previsão de custear o projeto. O MPT e a Seap não responderam até o fechamento desta matéria. Já as prefeituras de Campo Formoso, Monte Santo, Lauro de Freitas, Itabuna e Pau Brasil não tinham conhecimento do acordo. A prefeitura de Jaguaquara afirmou que houve diálogo, mas não o firmamento de convênio. O diretor do campus do Ifba de Barreiras, ligado a São Desidério, não conhecia o projeto.
Além da falta de convênios suficientes, o instituto disse que “não existiu, no momento de aprovação do projeto, nem mesmo uma carta de intenções ou termo de compromisso assinado pelos prefeitos”. Os servidores negaram o que foi dito pela atual reitora, de que não foram apresentados documentos. “Está no sistema de informação, em pastas compartilhadas”, rebate uma servidora.
O que diz o Ifba?
Em nota, o Ifba diz que, na verdade, “não há recursos relativos ao Termo de Execução Descentralizada (TED) Nº 9040 no IFBA”. “O IFBA recebeu um crédito orçamentário, que é uma autorização de gastos dada pelo Governo Federal para a realização de cursos presenciais e EAD. Sendo assim, a primeira etapa da execução do recurso foi realizada em 31/12/2019, último dia de exercício da gestão anterior do IFBA. O empenho ficou aguardando as outras duas etapas: liquidação e pagamento”, alegou a atual reitora, Luzia Mota.
Ela afirma que, quando assumiu em 2020, “tomou conhecimento do valor empenhado, e não obteve, da gestão anterior, os registros da concepção pedagógica dos cursos, memória de cálculo dos custos e nem o estudo de viabilidade”. Mota foi, então, avaliar a viabilidade técnica, pedagógica e financeira do projeto, e identificou “alto risco institucional pelas inconsistências pedagógicas, operacionais e de ordem financeira na implementação dos cursos de forma presencial e semipresencial”.
O Ifba tomou, portanto, a decisão de não implementar o projeto, mas ressalta que não chegou a receber pagamentos do MEC. Por isso, não teria nada a devolver. O Ifba também pediu cancelamento do empenho. O advogado Rafael Barreto, especialista em direito constitucional, explica que, de maneira geral, todas as despesas do governo federal devem ser devidamente registradas, com antecedência.
“Toda e qualquer execução de despesa pública tem que estar previamente registrada e divulgada dentro de um sistema orçamentário. O empenho é o ato pelo qual você faz o bloqueio do recurso dentro do orçamento. É como se você deixasse um dinheiro no cofre, bloqueado, para não gastar”, esclarece Barreto, ressaltando que o empenho do orçamento público não significa que o investimento chegou na conta do prestador.
O MEC informou ao CORREIO, por meio de nota, que a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Setec), responsável pelo edital, “acompanha a execução dos Termos de Execução Descentralizada (TEDs) firmados com os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, mas não se manifesta acerca de processos ainda em trâmite”.
Lista de cursos que seriam ofertados
1 – Editor de vídeo
2 – Desenhista de produtos gráficos
3 – Agricultor agroflorestal
4 – Auxiliar de fiscalização ambiental
5 – Cravejador de joais
6 – Eletricista de sistemas de energias
7 – Fotógrafo
8 – Letramento digital/ operador de computadores
9 – Maquiador
10 – Manicure e pedicure
11 – Depilador
12 – Pedreiro de alvenaria
13 – Pedreiro de revestimentos
14 – Pintor de obras imobiliárias
15 – Montador e reparador
16 – Ouvires
17 – Assistente administrativo
18 – Eletricista
19 – Programador de sistemas
20 – Joalheiro
21 – Cacauicultor
Fonte: Correio