O Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou na Justiça com ação civil pública contra Melina Esteves França por submeter pelo menos duas empregadas domésticas à condição de trabalho análogo ao de escravos. O processo, protocolado na tarde de ontem (15/09), corre na 6ª Vara do Trabalho de Salvador, que agora passa a analisar o pedido de liminar feito pelos procuradores para declarar a proibição da empregadora de continuar a submeter pessoas ao trabalho escravo, listando 23 obrigações a serem cumpridas sob pena de multas. Na ação, o MPT pede a condenação de Melina ao cumprimento da lei sob pena de multas e a pagar indenização por danos morais coletivos de, no mínimo, R$300 mil.
A ação se baseia na conclusão dos quatro procuradores que atuam no caso de que as práticas identificadas nas relações de trabalho mantidas por Melina Esteves França com as empregadas em sua residência reúnem todos os elementos para a configuração como trabalho escravo. O entendimento do MPT é o mesmo da equipe de auditores-fiscais do trabalho que analisa o caso na esfera da Superintendência Regional do Trabalho, que indica a imposição de uma série de multas administrativas pelas irregularidades identificadas. Em 96 páginas, os autores da ação classificam a conduta da empregadora em relação a nove empregadas como “abusiva, escravagista e indiscriminada”, com uma série de irregularidades, principalmente o cárcere privado, uma vez que ficou comprovado que a patroa impedia as empregadas de deixar o emprego mediante ameaças.
“Esse caso tem todos os elementos mais abomináveis que podem estar presentes numa relação de trabalho e por isso mesmo precisa ser tratado como um divisor de águas, sinalizando claramente para a sociedade que esse tipo de conduta não será tolerado”, afirmou o procurador-chefe do MPT, Luís Carneiro, um dos autores da ação. Para a coordenadora de combate ao trabalho escravo do MPT na Bahia, Manuella Gedeon, que também assina a peça processual, ressalta o grande número de elementos de prova reunidos na ação. “A ré não só deixa de registrar as trabalhadoras domésticas contratadas, pagando remuneração bem abaixo do mínimo legal, como submete essas mulheres a terror físico e psicológico”, pontuou. Também assinam a ação as procuradoras Cleonice Moreira e Larissa Amorim.
Raiana Ribeiro da Silva, 25 anos, pulou do basculante do banheiro do apartamento em que trabalhou por uma semana, sem direito a folga, descanso intrajornada, e sem acesso ao seu aparelho celular, após sofrer uma série de agressões físicas e psicológicas e ser impedida de deixar o local de trabalho. Além dela, os auditores do trabalho ouviram outras oito pessoas que trabalharam na residência de Melina Esteves desde 2018, alguns com a participação do MPT. Pelo menos outra empregada é apontada pelo MPT como vítima de trabalho escravo, Maria Domingas Oliveira dos Santos, que ficou no emprego de 2019 a 2021, período em que alega ter sofrido as mesmas agressões a sua dignidade, além do desrespeito à demais normas básicas de relações de trabalho, como pagamento de salário mensal, concessão de descanso interjornadas e repouso semanal, férias e décimo-terceiro salário.
Nos depoimentos das trabalhadoras colhidos e apresentados à Justiça do Trabalho pelo MPT, há uma constante: o desrespeito a direitos básicos trabalhistas e agressões verbais e físicas. No depoimento prestado pela empregadora na delegacia policial que apura o caso na esfera penal, ela não negou as irregularidades trabalhistas e alegou que a babá teria agredido uma das filhas dela. Na ação, o MPT pede que ela seja intimada a prestar depoimento em juízo. Independente disso, o MPT quer que a Justiça antecipe a decisão, em caráter liminar, impedindo que durante a tramitação da ação, a empregadora possa continuar descumprir a legislação trabalhista, além de ser obrigada a prestar informações semestrais e a cada nova contratação que fizer para prestação de serviços na casa em que estiver morando, mesmo que não seja ela a empregadora.
Desde que firmaram a convicção de que Raiana é vítima de trabalho escravo, os auditores-fiscais da Superintendência Regional do Trabalho emitiram guia para que ela passe a receber seguro-desemprego por três meses. Tanto Raiana quanto as demais trabalhadoras não estão sendo representadas pelo MPT na ação, uma vez que elas dispõem de advogado constituído. As trabalhadoras poderão ingressar com ações individuais ou até mesmo requerer apoio do MPT ou da Defensoria Pública da União para sua representação legal. Ao justificar o valor pedido, o MPT faz a ressalva de que é preciso resguardar capacidade de pagamento da empregadora para que ela arque com eventuais indenizações e pagamentos de verbas rescisórias das trabalhadoras.
CN | Fonte: MPT