A médica cubana Mariela Ambruster Almenares, está vivendo o oposto do que sonhou quando entrou para a faculdade de medicina em 1993, na época ela pensava realizar consultas, tratar pacientes; implementar ações para promoção da saúde; coordenar programas e serviços em saúde, efetuar perícias, auditorias e sindicâncias médicas; elaborar documentos e difundir conhecimentos da área médica, ou seja, atividades normais de uma profissional de saúde.
Mariela nasceu na cidade de Santiago de Cuba, formou-se em medicina, mas a falta de oportunidades em seu país lhe trouxe ao Brasil em 2013 através do Mais Médicos, programa lançado pela então presidente Dilma Rousseff (PT) com o objetivo de ampliar o acesso à saúde básica em áreas carentes e remotas do país, na época mais de 18 mil médicos cubanos atuaram em mais de 4 mil municípios do Brasil. Mariela trabalhou em Nova Fátima de 2013 a 2016 na atenção básica e realizava entre 300 e 350 consultas por mês.
Com a mudança de governo após o Impeachment de Dilma, em 2016 começaram as dificuldades e a falta de atenção ao programa. Em 2018 o governo de Cuba anunciou a saída do programa Mais Médicos alegando “declarações ameaçadoras e depreciativas” de Jair Bolsonaro, recém-eleito presidente da República. Cerca de oito mil médicos voltaram para a ilha caribenha nas semanas seguintes e deixaram descobertas áreas periféricas e vulneráveis do Brasil.
Mariela não quis retornar a Cuba e permaneceu em Nova Fátima, municipio do território da Bacia do Jacuípe que ela escolheu para morar, porém desde 2016 não consegue uma colocação na sua área de trabalho, isso porque o governo não reconhece diplomas de outros países, a não ser pelo o Revalida, uma espécie de exame para regularizar o diploma de graduação em medicina conseguido fora do Brasil. Segundo Mariela, ela já se inscreveu várias vezes, mas tem uma única reposta: “Todas as vagas já foram preenchidas por brasileiros que fizeram faculdades em outros países, inclusive no edital de 2017.”
Com experiência de quase 30 anos como médica, Mariela relata dificuldades financeiras para manter a família aqui no Brasil, ela diz estar em uma situação precária: não podem praticar medicina, nem consegue outro tipo de emprego.
“Antigamente, nos viam como deuses, hoje nos vêem como um nada.” É assim que a médica cubana Mariela resume a reviravolta em sua vida. Ela disse ainda que não desmerecendo a categoria, mas tem recebido propostas para trabalhar como empregada doméstica para ganhar cerca de 10% do que ganhava no Mais Médico, segundo ela, além de ser uma desvalorização de sua profissão, é também muito pouco pra se manter, e procura um emprego na área de saúde.
Até a chegada dos cubanos, o Brasil tinha mais de 400 municípios sem nenhum médico cadastrado no Sistema Único de Saúde (SUS). Mais de 1,5 mil dependiam de um esquema de rodízio, em que o médico atendia, no máximo, duas vezes por semana.
Com o programa, de uma hora para outra, esses municípios passaram a ter profissionais atuando de segunda a sexta-feira, de manhã e à tarde.
Após a ‘expulsão’ dos cubanos, em novembro de 2018, o Brasil retrocedeu praticamente ao cenário anterior ao lançamento do Mais Médicos, com 40% da população descoberta.
Segundo a Supervisora do Mais Médicos em São Paulo, Célia Medina uma das incumbências dos cubanos na pandemia seria contrapor o negacionismo e as fake news espalhadas pela cúpula do governo Bolsonaro e seus apoiadores. Ela acredita que o avanço das pesquisas sobre a pandemia no Brasil permitirá até quantificar as mortes que seriam evitadas caso os profissionais da ilha caribenha não fossem expulsos.
“Depois da saída dos cubanos, voltamos a ter mais de 1,5 mil municípios sem médico. Imagina o médico cubano nesses lugares, com todo o vínculo que eles desenvolveram com essas populações, explicando para essas pessoas a forma de transmissão da doença e como se proteger”, diz.
“Com certeza, nós perdemos muito ao atravessar a pandemia sem esses médicos.”
A supervisora chama atenção para a bagagem que os profissionais cubanos traziam de seu país, onde a medicina de família é mais valorizada que qualquer outra especialidade.
“Esses médicos tiveram muitas experiências em outros países. Trabalharam na epidemia de ebola, na África, no controle de um surto importante de cólera, muitos que eu acompanhei estiveram na Amazônia venezuelana. Então, além da formação, eles têm essa experiência importante pelo mundo afora, enfrentando condições bastante difíceis”, reforça.
Mais de 2.500 médicos optaram por permanecer no Brasil e Mariela Ambruster Almenarez está entre eles, a mãe de três filhos e avó de três netos continua a procura de uma colocação profissional em prefeituras, clínicas ou unidades de saúde.
CN | Fonte: Goby Rios